quarta-feira, 10 de junho de 2015

pérolas e salpicões

 PÉROLA E O SALPICÃO
Num abrir e fechar de olhos, se passaram vinte e cinco anos, após a sacra ordenação daquele resto que ficou dos cento e vinte que, nos longínquos anos de 1952, entraram no colégio de Ermesinde. Um mesmo fito: virem a ser padres na grei portuense.
Esse resto atingia a dezena e meia de resistentes. No seu íntimo, eles – estão convencidos- foram os fiéis e os cumpridores. Os abnegados imoladores de tudo o que era profano: desde logo as demoníacas delícias conjugais, ‘inda que condimentadas pelas, apesar de tudo, rasteiras responsabilidades paternais.
Por aquelas, tíbiamente, se deixaram vencer os outros cem. Aqueles que, ano a ano, aos poucos, foram ficando pelo caminho.
Na deles, sem dúvida, estes tinham escolhido o caminho trivial e mais fácil.
Essa de encontrar o pão nosso de cada dia, com o suor do seu rosto, mesmo a de, por dever patriótico, ter de enfrentar as matas infestadas do ultramar, era coisa banal, comparada com a consoladora disponibilidade cordial para ouvir os problemas ...(dos outros), e aquela panóplia toda, de jejuns, renúncias e penitências, que deveriam prégar... (aos outros).
Este é que era o verdadeiro heroismo.
Os que abandonavam o caminho eram atirados para o esquecimento e aí ficavam cobertos de uma manta diáfana do falhanço...
Mas, volvidos os tais vinte e cinco anos de assinalada vitória, seria bom voltar a vê-los, tê-los ao pé, como circunstantes, testemunhando-lhes o jeito desembaraçado de como se tinham tornado uns bons executores da liturgia e toda a arte rotinada de movimentação, teatral, sob flamejantes paramentos, à volta do altar e do bispo tutelar.
“O convite chegou por correio:
- “Vem e traz a tua esposa e os filhos. Para confraternizar e reviver velhos tempos...”
Pouco a pouco, fomos chegando ao átrio exterior da Sé, ali junto às escadas, as mesmas que, todos, em cortejo, de sobrepeliz branca e batina preta, pisamos milhentas de vezes, anos atrás .
P’ra alguns, foi notório o esforço para se reconhecerem, desaviados das palamentas clericais de outrora . Para muitos era o primeiro reencontro.
- Tu és o?...e tu és o...?
À gargalhada, lá seguia um abraço mais ou menos franco.
- Lembras-te de?...e tu lembras-te de ...?
Mais uma gargalhada...e outras sem fim...até que, vinda não sei de quem, soou a ordem de entrada na catedral. Ia-se assistir à missa colectiva: eles a concelebrar, lá no cimo do altar e mais o bispo João Miranda –
- quem não se lembrava dele? Era nosso colega, contemporâneo e conterrâneo meu, da Lixa. Aquele ar de místico, permanentemente muito compungido, desde manhã à noite...valera-lhe a pena...ali estava ele a sobressair com a sua mitra de damasco dourada.
Todos muito competentes, muito seguros e compenetrados, liam, reliam, entoavam as mesmas letras...
Veio a homilia camarada-episcopal.
As mesmas parábolas de outrora, viradas e reviradas. A da luz e do alqueire, a da semente e da terra boa...
Eles eram a luz...ali eram a brilhar encima do alqueire...Eles...só eles... foram a terra boa...
Para os de cá de baixo, mais as respectivas esposas e a (pecaminosa) descendência...os que viemos contemplar aqueles luzeiros iluminados, - nem uma só palavra, episcopal!... Permanecemos, como sempre, às escuras...Não tínhamos sido a tal terra-boa!...
Acabada a reza...pobres, pobrezinhos...seguiu-se, a recompensa, no refeitório do seminário. Um almoço ajantarado, servido nas mesmas mesas do mesmo refeitório de outrora.
O Reitor de então, ainda teimoso sobrevivente, o monsenhor Miguel Sampaio, veio de propósito presidir ao almoço festivo.
Uma confraternização. Dois mundos, que por caminhos diversos se voltavam a cruzar: o deles seguira a trajectória, ascendente ( e triunfal) no rumo, que, uns anos antes, fora o caminho comum.
O nosso, cada um sabia de si, do que custara traçar, cá fora, no meio da tempestade...
Houve brindes. Coube a um deles, ao que se encontrava em serviço no seminário,,Olhos compungidos , falar do “ Amor”…o Amor…o Amor…a mesma sega-rega de sempre: fumo branco que se desprende…
Ainda hoje, os céus do Porto estão toldados por essas nuvens , “aves raras”…
meu primeiro e últmo reencontro com os ex e in-seminaristas do Porto

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