terça-feira, 31 de outubro de 2017

Castanhas assadas

Quentes e boas...
Eram as castanhas assadas em brasas. No canto da Esquina. 
À dúzia. Enchiam os bolsos.
Por cinco tostões.
Regalo dos pobres,Com pouco.
Em público.
E dos ricos, nas salas fidalgas,
Sózinhos, de bicoscalados.
Caíam de cima pela força do vento.
Cobriam o chão.
E a pequenada descalça,
Calejada nos pés,
Calcavam os picos
E as soltavam de vez.
Umas eram logo comidas,
sem casca.
Outras assadas com fogo,
Do tojo ou carvalho.
Pareciam cabrito no forno.

Donde lhes vem tanta força?...

Donde lhes vem tanta força?...
Aquela força telúrica que lhes ferve nos braços.
Batendo o malho de aço na bigorna da forja.
Batendo os guilhos rubros em brasa.
São dúzias que mergulha em toques na água negra da celha.
O fole em couro sopra golfadas de ar para dentro da forja.
Crescem no chão terreno montões de guilhos tratados.
Vem o jumento. Espumando da boca.
Enchem-lhe os cestos de vime. No dorso potente.
E o moço a pataco por dia,
Tange-lhe a vergasta nas costas.
O burro acelera.
E amigos, sozinhos, sobem e descem nos caminhos dos montes até às pedreiras da serra.
E os pedreiros bravios ao sol,
Diante dos blocos gigantes,
Cravam-lhe os guilhos nos buracos em fila.
Depois, com a mestria que herdaram,
Marretam pancadas com força.
O monstro de pedra estendido no chão
Geme que geme e estala…
Milagre. Sem pólvora …nem seca.
Berlim, 31 de Outubro de 2017
13h52m
Jlmg

O comboio não vem...

O comboio não vem…
O comboio não vem.
Não posso esperar.
Me faço ao caminho.
É longe o destino.
Lá hei-de chegar.
Que saudade eu sinto,
Minha terra natal.
Corre em meu sangue,
O fogo de lenha,
Serões à lareira,
Panela do lar.
Ouvindo o sino
Cantando as horas.
Nasceu um menino,
A família que vem,
Há rancho da festa.
Vai demorar.
Saudades da Páscoa.
Visita da cruz.
Que bom o perfume,
Quando a ia beijar.
Do fato de terno,
A saia bordada,
O vestido da moda.
O verniz do sapato,
Feito à medida.
As bolhas dos pés
Enquanto ajustava.
Aquele era mundo.
Se calhar já não existe…
Berlim, 31 de Outubro de 2017
10h37m
Jlmg

Aquela força...



Aquela força…

Aquela força que irradia do rosto,
Brilhando nos olhos,
Num sorriso sem fim,
Fez um milagre,
Bem dentro de mim.

Iluminou meu passado,
Carregado de escuro,
Névoas do céu,
Pedaço do mundo,
Me impedindo de ver.

Escondeu-me o caminho,
Talhado no berço.
Feito para amar,
Com corpo e com alma.

Cobriu-me de luto.
Viúvo da vida,
Com sol e luar.
Seara de fruto,
Raiado de cor,
Para comer e para dar.

Afastou-me do mundo,
Encerrou-me num souto.
Pleno de sombras.
Nem vivo nem morto.

Claustros de pedra,
Fria e inerte.

Rochedo do mar,
Batido das ondas,
Coberto de limos.
Cercado de algas,
Enterrado na areia.
Para sempre e para nada…

Berlim, 31 de Outubro de 2017
8h25m
Jlmg




segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Barco à vela

Barco à vela

Estranhas as velas dum barco ao vento.
Não deixam passar para ele andar.
Correm as horas queimando o tempo.
Ai que saudade das horas da escola.
Deram as luzes que me alumiam a vida.
Que pode um moinho se lhe falta o grão 
ou lhe seca o rio?
Mais vale uma lágrima só que sem remédio a dor.
Que seria do mundo se a alegria morresse?
Por vezes, lamento um passo sem tino.
Muito pior seria se ficasse calado.
Quem me dera voltar ao começo
Para começar de novo…
Reichelt, 30 de Outubro de 2017
11h41m
Jlmg

Palavras doces...




Mãe foi a primeira palavra doce que eu aprendi.
Não mais esqueci. Dela a paz na aflição.
Depois a luz, cheia de cores, para tingir a escuridão.
A seguir o amor. Nem que seja ao chocolate.

É no mar que o vento nasce e também a brisa.
Como é doce a tona dum lago manso.
E o terno beijo no alvor das madrugadas.

E beber da bica a água fresca.
Sua nascente ninguém sabe onde ela fica.
E uma sombrinha meiga por debaixo duma latada.
Como a doçura dum sorriso jovem, mesmo travesso.

Berlim, 30 de Outubro de 2017
8h58m
Ouvindo Mozart ao violino
Jlmg

A Agenda



A agenda…

Nem mais. Só o que ali está.
Guerra ao imponderável.
E, mesmo assim, ele acontece.

Há que repartir e encher o tempo.
Com o bom e útil.
Para trás e sempre, fique o mau.

Porque a memória falha.
E a vida não é escassa.

Não esquecer fechar a porta.
O vento vem. Escancara e leva.
Depois duns anos é bom lê-la.
Por onde passaram os nossos dias.
E para que foram.
A mesma identidade.
Só mudaram as circunstâncias.

Ali mora a origem e a fonte do presente.
Na agenda se escreve só o futuro…

Ouvindo concerto nº1 de Tschaikowsky

Berlim amanheceu de sol, 30 de Outubro de 2017
8h00
Jlmg







domingo, 29 de outubro de 2017

Nunca arrefeça...



Nunca arrefeça…

Não morra a chama que te ascendeu e arde.
A fé crescente no dia D.
O sonho lindo que despertou um dia
e prendeu a mente.

Sem sonho, a vida é noite.
O sol não nasce.
O dia é triste.
Viver é fel.
Arrefece o corpo.
O amor não vem.

Sem luz nem cor.
A alma gela.
Para quê viver?
Viver é morte.

Para que nasce um rio
Se não chega ao mar?...

Ouvindo “Out of Africa”

Berlim, 29 de Outubro de 2019
8h13m
Jlmg