domingo, 31 de janeiro de 2016

impulso vital

Impulso vital

Desde o começo de tudo,
flameja em nós uma chama intensa e profunda
que ilumina e aquece
o corpo e a alma.

Rio fluente,
no leito da vida,
entre a nascente e a foz.
Tudo vence e ultrapassa,
se a energia não falta.

Fornalha de paz e de amor.
Depende do sol e da chuva
e do húmus da terra.
Respira o calor e a brisa do mar.

Berlim, 1 de Fevereiro de 2016
6h16m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

tudo o que vejo

Tudo que vejo

Tomo nota de tudo que vejo e observo.
Não ando de olhos fechados.
Sinto as dissonâncias nas cores e nos sons
Com a esperança que eu nutria.

Tudo se regista em mim com sulcos graves.
Me agradam ou me incomodam.
A tudo eu sobrevivo.

O pior supremo é a ingratidão e a indiferença
De quem se espera...

Berlim, 1 de Fevereiro de 2016
5h31m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

me abeirei do mar

Me abeirei do mar

Para soltar um grito
Me abeirei do mar.
De louvor a Deus
Que o encheu de azul.
O cobriu de céu e sol,
Banhou de vento,
O encheu de ondas,
O cercou de oiro
Para me oferecer,
Sem nada exigir…

Ouvindo “o tema do Titanic”

Berlim, 31 de Janeiro de 2016
9h7m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 30 de janeiro de 2016

a força dos sinais

A força dos sinais

Não é do sinal no rosto
Ou de outro ponto oculto
De que eu falo.

Nem do ponto minúsculo
Que vai e vem,
Deixando rasto.

Nem do monte de preocupações passadas
Que vão e vêm.
Essas as calo eu.

Também não são os sinais da ortografia.
Nem sequer os da estrada.
Desses me acautelo
Com atenção para não errar.
É daqueles que te venho dando,
A cada hora e a cada passo
De que, sem ti ao pé,
A vida ficaria,
Para sempre,
Sem qualquer sentido…

Berlim, 31 de Janeiro de 2016
8h21m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes




desembaraços

Desembaracei-me de todos os laços

Tantos laços me prendiam,
Desde meus tenros anos.
Uns de seda,
Outros de nylon,
Bem mais cortantes
Que uma adaga.

Tinha chagas fundas
Bem no meu íntimo.
Me livrei delas.

Tantos negrumes derramados
Sobre o meu peito,
Me amarfanhavam
E impediam de respirar.

Minhas asas presas
Eram amarras.

Meus pés estavam rasgados,
Jorravam sangue.

Despido, quase exangue,
Mergulhei e me banhei no mar,
Como vim ao mundo.
Tudo afoguei no fundo.
Estendi-me ao sol
Até sarar.

Ouvindo melodias de Beethoven

Berlim, 30 de Janeiro de 2016
21h9m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes




sobre as copas das searas

Sobre as copas das searas

Meus dedos tangem acordes de harmonia,
Sobre as copas das searas.
Mergulham nas algas
Que dançam sobre as ondas
Carregadas de maresia.

Saboreiam o sal de gema
Que se espraia
Sobre as areias.

Rabiscam traços e notas
Como se fossem centopeias.

Mugem as tetas sôfregas
Que se transformaram em penedias.
Puxam as cordas tesas
Que arrastam para terra
O ventre das embarcações.

E são violinos enamorados
Nas madrugadas mais sombrias…

Berlim, 30 de Janeiro de 2016
15h19m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

trela da minha cadela

A trela da minha cadela

Comprada de novo,
vermelha em folha.
a trela da minha cadela.

Agarrou-se a ela.
Rói e rói...
Roída de raiva,
não descansa
enquanto, feita em bocados,
a alma da pega
não fica à mostra da dona!
Por engano,
Lhe deu de nome - Snu...

Bar dos Motocas,
30 de Janeiro de 2016
10h58m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes





tudo em pedaços

Tudo em pedaços

Quis tudo de novo.
Desfiz-me todo
Em pedaços de mim.
Pus tudo de molho
Como se fosse um bragal.

Peguei num alguidar
E fui pô-los ao sol
A corar.

Lá pela tardinha,
Estavam sequinhos.
Soprou uma aragem.

Em passinhos dormentes,
Começaram a andar,
Buscando alguém.

Suavemente, surgiu uma forma,
Com pés e cabeça.
Se ergueu,
Olhou para mim.
Pôs-se a sorrir
E disse-me
- olá!...

Bar dos Motocas, arredores de Berlim
30 de Janeiro de 2016
10h19m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes



sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

campina de morangos

Campina de morangos

Floresce em mim uma campina verde
De morangos silvestres.
Parecem amoras.
Se propagam pelo chão como numa ramada.

Bebem do sol as cores.
E pelo amanhecer, raiam de túrgidos,
Como se fossem gigantes.

E vão amadurecendo.
Os colho em cabazes.
Pelas tantas da tarde,
Perco a vergonha
E os devoro faminto
Como se fossem derradeiros.

Suave delícia que a sorte
Me reservou.
Bendita campina
Que se desfaz em morangos
Com se fossem carinho…

Berlim, 29 de Janeiro de 20216
13h56m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

nem um só passo

Nem um só passo…

Sem o impulso oculto e íntimo
Que me anima.
Nem um só passo.
Nem uma só letra.

Cegueira certa.
Deserto árido.
Sem uma gota.
A escuridão.

Não há uma voz.
Um som sequer.
O silêncio
Na solidão.

Não corre uma aragem.
Alma penada.
Penedo de pedra
Amarrado ao chão.

Basta um sopro ligeiro.
Raio de luz.
Olhar divino.
Tudo acende
Em combustão.

Berlim, 29 de Janeiro de 2016
9h00m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

esta modorra

Esta modorra branca…

A neve cai. Suave e leve.
No silêncio da manhã.

Os olhos ofuscados
Me perturbam minha mente.
Sonolento, o cérebro dorme.
Minha alma ferve incandescente.

Ficam presas as labaredas no meu peito.
Cavalgo em nevoeiro,
Sou simples
Dom Sebastião, num deserto abandonado.

Berlim, 28 de Janeiro de 2016
Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ponte de madeira carcomida

Ponte de madeira carcomida

Tantos projectos. Tantos sonhos.
são como pontes de madeira carcomida.
Basta um sacolão e ela derruba.
Se precipitam e se desfazem.

Arquitectamos grandes obras.
Tantas quintas e palácios.
Cercados de altos muros.
Não toleramos nenhum incómodo.
Dum intruso ou dum mendigo.

Como se o céu azul e o sol
fossem só nossos.
Queremos fabricar as nossas alegrias,
por maneiras insólitas e rebuscadas.
Diferentes do que é vulgar.

São de longe e importantes
os nossos convidados.
Se enchem os nossos terreiros
de grandes carros luzidios e sumptuosos.

Grandes festas, com orquestra e salões de baile.
Tantos brindes encomiásticos.
Como se toda a riqueza fosse o fruto
do nosso labor.
E não de herança.

De repente, a tempestade duma doença
nos desfaz e reduz a pó...

escura madrugada

ouvindo " moonlight" de Beethoven por Hélène Grimaud ao piano

Berlim, 27 de Janeiro de 2016
6h39m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

m

m

a conta-gotas

A conta-gotas…

Pingam as horas a conta-gotas
Como o pêndulo do relógio.
De nuvens se tapa o céu
Para logo se desnudar.

Para trás não corre o rio
Mesmo que se revire a Terra.
Mais depressa se esquece a facada
Que uma falta de atenção.

Ninguém dorme por gosto ao mau relento
Se lhe abrirem uma só porta.
Tenho medo de quem se cala
Quando era a hora de estrebuchar.

Quem, por mal, me humilhou na vida,
Não tem direito ao meu perdão.

Só quem sofreu na pele
Entende bem o que é sofrer.

Berlim, 26 de Janeiro de 2016
9h26 m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes



segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

inquietação

Inquietação…

Têm fome os famintos deste mundo.
E sede os perdidos no deserto.
E o medo que todos temos de morrer.
Fica gelado nosso corpo e nossa alma
Se um dia não brilha o sol.

Sem luz tudo seria tristeza.
Faz tanta falta a presença de minha Mãe.
Grande festa eu faria
Se de novo pudesse abraçá-la.

Que alegria maior se encontrei de novo
O filho único que eu perdi.

Estas são as regras que nos governam.

Como seria bom o mundo
Se a lei suprema fosse o amor…

Ouvindo “Love history” ao piano e violino

Amanheceu com cinza

Berlim, 26 de Janeiro de 2016
7h47m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

mundo novo

Mundo novo

Inesperadamente, por encanto,
se abriram as portas dum novo mundo.
Onde o sonho é real.
Onde o belo jorra rasteirinho ao chão.
Ao alcance de toda a mão.

O sol brilha incandescente,
De manhã à noite, sem fazer mal.
O ar é leve. Enche o peito.
De tão puro,
Sabe bem.

A alegria chove.
Miudinha e branda.
Me serena a mente.
E ela, fonte,
Escreve, escreve.
Incessante.
Dum fio de água
Se tornou um rio…

Berlim, 25 de Janeiro de 2016
20h31m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes




minas e poços

Das minas e poços…
Nasci na aldeia, de campos e montes, silvados e bosques.
Das casas com eiras de pedra,
e das medas de palha.
Saboreei do mosto, à bica da pipa, cheirando a uvas.
Regalei-me do fumeiro, negro, pendente, dos caibros e toros debaixo das telhas.
Sei o cheiro do milho e do grão guardado nas arcas,
de tábuas tão grossas,
pareciam carvalhas.
Onde o bicho não entra.
Vi a água a sair das noras profundas, em levadas correntes,
para a rega dos campos.
Apanhei os bagos das uvas espalhados no chão das vindimas.
Pisei, horas a fio, enterrado dos pés à cintura,
os lagares de pedra, carregados de uvas.
Mas, de tudo o que vi, ainda eu sonho…
tinha um medo e pavor moribundo, dos muitos poços e minas profundos,
donde a água saía, como fada encantada…
Ouvindo “nocturnos” de Chopin,
Joaquim Luís M. Mendes Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 23 de janeiro de 2016

magnitude da consciência

Magnitude da consciência...

Aquele aparelho enigmático,
sempre em acto, que nos dita
a voz do que é bom e não.

O tomtom que sempre foi
e nos aponta o caminho certo
nos meandros confusos desta vida.

A fonte inesgotável das boas acções
que tornam habitável este mundo.
O templo sempre aberto para o culto da verdade.

A religião suficiente para quem não foi bafejado
por uma fé.

O tratado sempre aberto onde se encontram todas as filosofias da existência.

O calendário de doze meses e das luas cheias,
que nos lembra as nossas festas.

O sol sempre aceso
que ilumina nosso caminho.
Um mar de bons conselhos,
qualquer que seja a nossa idade...

ouvindo Brahms, concerto nº 1, piano e orquestra, por Hélène Grimaud

amanheceu com chuva

Berlim, 24 de Janeiro de 2016
8h50m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

orgulho e timidez...

Orgulho e timidez…

Nem eu que lá moro sei bem o que se passa  debaixo do meu telhado.
Quanto mais quem passa ao lado e fora.
São enganosas as aparências.

Aquelas rugas fundas e carregadas
Que atravessam o meu rosto
E que me dão este ar sombrio e tão distante.

Esta indiferença que me cobre
Fazendo de mim um pobre pedante.
Nem eu sei bem o que ela esconde.

Meu interior está cheio de cruzamentos,
Um labirinto.
O que sinto é bem confuso.
Mergulhado em eterno nevoeiro.
Como hei-de entender bem os outros,
Se nem a mim
Me entendo bem.

Esta vontade constante de supor e de julgar
Os passos de quem passa
Como se fossem os meus…
Cada um de nós tem o tamanho próprio dos seus pés.

Nunca dá certo calçar os sapatos de outro…

Ouvindo Beethoven

Lá fora, está tudo branco e alvinitente

Berlim, 23 de Janeiro de 2016
8h40m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

horas perfeitas...

Horas perfeitas…

Quando, depois do alvoroço da tempestade,
Se aporta a uma enseada limpa e ampla,
Onde reina o sol,
Se afastam as nuvens negras da tragédia
Que estava para acontecer.

A vida recomeça e a alegria vem
E inunda o coração.
Com vontade de viver.
É a felicidade…

É o sol a reinar no céu,
Fecundando a terra.
Com seu calor.
Tudo germina.
Tudo verde. Depois o ouro do seu folhedo
É a colheita.
É o celeiro cheio.
E a mesa posta
Para a festa da família ao serão.

É o avô dormindo no preguiceiro
São os netos travessos,
Que não querem ir dormir.
Depois, a doce paz das madrugadas...

Ouvindo “ som do silêncio” por Simon e Garfunkel
É madrugada escura

Berlim, 22 de Janeiro de 2016
6h42m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes


quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Minhas raizes…

São bem fundas as raízes
Que me prendem e seguram
Neste chão.
Meus ramos e o meu tronco
Podem abanar ao vento
Mas não caem.
Minha seiva é forte e corre lesta
E me renova os tecidos.
Magoados.
Só as folhas me caem depois de secas
E escrevinhadas.
Meu tronco é vertical.
Horizontais são os meus braços.
Minhas lianas me enlevam e me enleiam.
E me escudam das intempéries
Como a couraça e o arnês de aço
Dum guerreiro.
Não consumo condimentos.
É só o sol e a chuva que me alimentam,
Directamente
E em estado puro…
Ouvindo Moonlight de Beethoven , em piano
Berlim, 21 de Dezembro de 2016
8h34m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

do avesso...



Do avesso…

Viro todo o mundo do avesso
E assim, sim. Fica direito.
Posso atravessá-lo descalço e nu.
Em segurança e com a elegância
Que me prendou a natureza.

Tudo o mais é artifício
E postiço como a cola
Para repor os cacos do boneco
Que caíu e se estatelou.

Tenho em mim as marcas mestras
Do artista que me moldou.
Com a massa deste mundo
Que me cerca
E, malfadado, por suas mãos,
Se revirou.

Não é fácil.
Tão enredadas são as voltas
E o emaranhado egoísta
Do tapete falso que teceu.

Assim, sim.
Já tudo faz sentido
E dá-me gosto de viver…

Ouvindo “uma fuga de Bach” por uma harpa

Berlim, 21 de Janeiro de 2016
7h46m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

...

...

ser poeta...



Ser poeta…

É ser igual e sempre
A toda a gente.

É traduzir por versos
Toda a beleza do espaço
Onde se vive.

É expor ao sol
O que de bom e belo,
Se encontra oculto
A quem se aliena.
Injustamente.

É dar conta do que ,
Para o mal geral,
Se iria perder eternamente.

É ver às cores,
O que para o mundo,
É transparente.

E saber de cor o que faz bem
À nossa alma…

Berlim, 20 de Janeiro de 2016
15h43m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

voltar à superfície...



Voltar à superfície…

Serenamente, deixemos a profundidade escura do silêncio doentia.
Onde o sol não chega.
Deixemos lá sepultadas nossas tristezas.

Vistamos uma roupa nova
E sigamos a rota alba da alegria
Vivendo bem um dia em cada dia.

O bem supera em muito o mal
Que nos rodeia.
Há sempre frestas de luz na escuridão
Para nos nortear.

Tomemos a ponte
Que nos leva à outra margem.
A do sul, onde sopra o vento da bonança.
Alcancemos a esperança daquele sonho
Que tivemos.
Outras cores e outros sons
Encham de paz a nossa alma…

Berlim, 20 de Janeiro de 2016,
8h18m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes