terça-feira, 30 de abril de 2019

A voz do pensamento

A voz do pensamento

Recolhido nas suas cogitações,
Um dia, começou a ensaiar os primeiros tons.
Do grave para o agudo.
Fez fracções com harmonia.
Cantarolou com gosto.
Quis expressá-los.

Como?
Encheu o peito de ar.
Soprou a voz.
Ouviu gemidos.
Soluçou ais e uis.
Achou bonito.

Afinou a voz e soltou a primeira melodia que lhe ditou o coração.
Depois, pensou.
Como seria bom  rabiscar no chão, de modo que o mundo entenda.
Tanto tempo passou. E, nada.

Ainda hoje anda à procura.
Não desistiu.
Talvez, um dia.
Nem de fala nem de escrita.
Tudo dê, por telepatia.
Oxalá eu veja!...

Berlim, 30 de Abril de 2019
10h51m
Jlmg




domingo, 28 de abril de 2019

Apenas administrador

Apenas administrador

Prendados com a vida, podíamos não ter nascido, saibamos viver.
Usufruindo e produzindo o bem, combatendo o mal.
Vivendo e saboreando cada dia como último.
Reinando como senhores. Escravos nunca.
Cada um com seu jeito e gosto. Respeitando o outro.
Diga bem de nós o nosso rasto.
Não somos de cá.
Temos bem cá dentro, uma ânsia cega de eternidade.
Fique melhor o mundo, chegada a hora de partir.

ouvindo P. I. Tchaikovsky: Symphony nº 5 - Nesterowicz - Sinfónica de Galicia

Dia de chuva

Berlim, 29 de Abril de 2019
8h40m
Jlmg

Sinfonia do desespero

Sinfonia do desespero

É de esperança e fé o primeiro andamento.
Uma suave e radiosa melodia esparze luz para a plateia.
Tem mesmo laivos de epopeia.

Se cobriu de glória. Parecia não ter mais fim.
Depressa se dissipou. Tamanho foi o orgulho e a vaidade que se desfez em vácuo.
O segundo andamento.
Uma invasão de dúvidas. A sensação total de incapacidade.
O sentir do fim. A morte.

Tudo desaguou no desespero.
Tudo range em sofrimento.
Que fim macabro!
Para quê artista?
Melhor seria se pastor anónimo...

Berlim, 28 de Abril de 2019
21h9m
Jlmg





Sinfonia dum poema

Sinfonia dum poema

Em tons suaves e palavras simples, sulcando o belo,
minha forja acesa,
me abalanço à procura dum poema, qual Wagner, Beethoven e Sibellius, buscando notas e acordes para uma sinfonia.

Me alcandoro, tão suspenso, como um condor.
Inebriado com tanta luz e tanta cor,
em majestosa vastidão.
Corre célere o meu sangue.
Me atiça com furor.
Me acodem em catadupa, as ideias.
Tantas formas. Fulgurantes.
Me embriago. Corro a elas.
Elas fogem. Me seduzem.
Quase troçam. Minha aventura.

E solto a pena.
Jorram letras e palavras.
Rio fundo. Avanço à foz.
O mar me pára.
Desço à praia.
Fico a vê-las. Labareda a arder.
Subindo alto. O horizonte ao longe.
Infinito ao fundo...

ouvindo Wagner: Der Ring des Nibelungen (arr. De Vlieger) - Radio Filharmonisch Orkest - Live concert HD

Berlim, 28 de Abril de 2019
18h8m
Jlmg

Para quê a amizade?...

Para quê a amizade?

Viver é um privilégio.
Não é sempre bem.
Horas boas e outras menos.
Em ambas a amizade tem o seu papel.
Ambas se partilham.
As boas se repartem. Fica mais rica a vida.
As outras se suavizam.
Nada como ter quem pense em nós quando escurece a vontade de viver.

O mundo fica mais pobre e triste quando enfraquece a força da amizade...

Berlim, 28 de Abril de 2019
13h19m
Jlmg

Guardo para mim...

Guardo para mim...

A quem me hei-de queixar,
senão à Natureza que me fez assim?
Como uma poalha voo ao deus-dará,
conforme as vagas que este mundo varre.
Não adianta. Me enquisto na minha concha e vogo.

Umas vezes, é o suão quente e seco que me encarquilha a pele.
Outras, o vento norte que me regela os ossos.

Bendigo a hora em que rompe a Primavera.
Tudo floresce. Uma verdadeira aurora.
Depois, chega o Verão.
Pendem ridentes os cachos de uvas gordas.
Se enchem as pipas das adegas e os celeiros, pelo São Miguel.
Me consolo com uma caneca do vinho mosto que me faz bigodes.

Depois das vindimas, fervem os alambiques com a cachaça fresca.
Só com o cheiro acre, fico sonhando tonto.
Assim decorre e bem a marcha acelerada da minha vida...

Berlim, 28 de Abril de 2019
12h39m
Jlmg




sábado, 27 de abril de 2019

Orgulho pessoal

Orgulho pessoal

Criou-nos erectos a Natureza.
O rosto, oblongo e frontal.
Dois olhos rasgados, bem abertos, à frente, com longo alcance.
Um ouvido de cada lado. Parabólico.
Só as pernas flectem ágilmente.
Para fuga ou ataque em defesa pessoal.

Deu-nos uma capacidade ultra-racional:
A de torcer mas não vergar, quando está em causa sua dignidade.
Esta sobrevive em cada pedaço em que desfaçam nosso orgulho.

Só se humilha perante a verdade e o amor.
Dois valores que dominam a nossa alma.

Berlim, 28 de Abril de 2019
7h20m
Dia fosco
Jlmg

Arame farpado

Arame farpado

Criação do diabo que o homem utiliza em sua defesa.
Tem origem no medo.
Que fujam os presos.
Que venham ladrões.

É feita de arame.
Uma corda de picos à volta dos campos.
Afugenta os incautos com sangue nas mãos.
Rasga-lhes as calças.
Se liga à corrente.
O choque é tão forte,
Cuidado!
Fojem se escapam.

Só uma tesoura potente a consegue cortar.
Quem é que a traz?

Enquanto a ferrugem não a matar,
É um mal e um bem que pode salvar...

Berlim, 27 de Abril de 2019
20h10m
Jlmg




As marcas do tempo

Marcas do tempo

As marcas do tempo estão-me gravadas no corpo mortal.
Enfraqueceram as forças.
Gravadas no rosto e na pele, minhas rugas sem conta.
Tingiram-se de cal meus cabelos sobrantes.
Rangem-me os ossos dos joelhos e da anca.
Cresceram saudades no quintal de minha alma.
Sinto mais perto o horizonte final.
Afinal, para que foi que nasci, se a morte fosse o fim?
Seria absurdo e a inteligência que tenho não me deixa aceitar.

Berlim, 27 de Abril de 2019
14h36m
Jlmg

Sementes de paz

Sementes de paz

Um manto de ervas daninhas vestiu a terra, sementes do mal.
Caia dos céus uma chuva de sementes de paz e de bem.
Torne este mundo um espaço de luz, calor e de sol.
Fertilize os prados que alimentam e matam a fome ao mundo voraz.
Renasça na terra a fertilidade divina como o Criador a criou, sempre para bem e nunca para o mal.

ouvindo Tchaikovsky Symphony NO.6 (Full Length) : Seoul Philharmonic Orchestra

Berlim, 27 de Abril de 2019
11h1m
Jlmg

Delícias da música

Delícias da música

Nascida do vento e da trovoada, ressoa e anima a humanidade.
Dá-lhe o sabor da divindade nesta terra árida, por vezes, negra.

Suaviza por dentro as agruras.
Faz do tempo um espaço belo de liberdade.
Apaga o clamor da angústia e faz vibrar as cordas da nossa candura tão maltratada.

Ouvi-la adoça nosso sofrer no corpo e alma.
É o pão dos anjos sobre a mesa da eternidade.

Ainda bem que a Natureza nos prendou esta virtude...

Ouvindo Rachmaninoff, concerto nº 2 por Rachmaninoff: Piano Concerto no.2 op.18 - Anna Fedorova - Complete Live Concert - HD

Berlim, 27 de Abril de 2019
9h38m
Jmg

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Lado a lado

Lado a lado...

Não se conhecem.
Não se encontram.
E vivem lado a lado.
Como a noite e o dia.
Como a dor e a alegria.
O prazer dum caramelo
E a tristeza quando ele acaba.

Cada um tem o seu espaço e não partilham.

São maus vizinhos.
Fecham a porta,
Mal pressentem que o outro chega.

São avesso da amizade e do se querer mal.
Seus donos têm inveja um do outro.
Enquanto um ri, o outro chora.
E, mesmo assim, ambos ganham
Quando um perde e o outro ganha...

Berlim, 26 de Abril de 2019
9h29m
Jlmg




quinta-feira, 25 de abril de 2019

Revolta das fontes de prazer


As fontes de prazer

Cansadas de dar prazer ao mundo, sem nada receber,
decidiram uma revolta.
Todas secaram até ver o que acontecia.

Uma nuvem negra e espessa de desencanto cobriu a terra.
Foi-se a alegria e a vontade de lutar.
Para quê comer se a comida não sabia a nada.
Se esmigalharam os casais. Para quê viver lado a lado, sem nada cobrar?
Para que serve tentar crescer harmoniosamente e fazer por parecer bem?
É melhor parar quieto e deixar correr o tempo.
Que importam as estações do ano com suas variações de oferta?

Para quê o vinho e a fruta?
A trabalheira que dá criá-las.

Em pouco tempo tudo ficou num ermo. Apático. Estéril e incolor.

De tal modo que as fontes sentiram pena.
Retomaram derramar prazer.

Com, depressa, tudo mudou.

Afinal, é o prazer que comanda o mundo, mas com equilíbrio, para não lhe ficar escravo...

Berlim, 26 de Abril de 2019

A mó do moinho

A mó do moinho

Uma lasca de pedra arrancada da terra, alisada e feita redonda, dança ao redor, pelas pás do moinho.

Um rio as puxa na enxurrada veloz.
Tosco casebre, rodeado de árvores, escondido do sol.
Ali vive o moleiro. Figura vetusta, caiada de cal.
Sabe de cor as voltas do grão, desfeito em farinha.
A base do pão.

Sopra a nortada, Inverno e Verão.
Roda que roda.
Sacos e sacos saem de lá.
Não há ninguém que não goste do Francisco moleiro.
Homem pacato.
Faz bem o que faz.
O trabalho que dá aos fornos da aldeia que nos regalam de pão.

Ouvindo concerto nº 2 de piano e orquestra de Rachmaninov, por Hélène Grimaud

Berlim, 25 de Abril de 2019
10h27m - dia de sol
Jlmg


quarta-feira, 24 de abril de 2019

Roda pedaleira

A roda pedaleira
Dentes metálicos, luzentes ao sol.
Algemada à corrente.
Puxa o pinhão, com força gigante,
Obedecendo aos pedais.
O cavaleiro, lá em cima, sem trela nas mãos, só pensa em fugir, rumo à meta.
Roda que roda.
Subindo e descendo.
Com chuva ou com sol,
Quer ser o primeiro,
Galgando pelotão.
Tanta alegria!
É a festa do ano que enche o Verão...
Berlim, 24 de Abril de 2019
11h4m
Jlmg
( minha homenagem ao corredor célebre, meu conterrâneo, Joaquim Luís Costa)

Meu pensamento

Meu pensamento

Monge vadio, meu pensamento,
Ave perdida
Seara de vento,
Emigrou do convento.

Sandálias nos pés.
Vestes pendentes.
Papiro enrolado.
De pena em punho.
Se fez ao caminho.

Vendo o presente.
Ouvindo as ideias,
Lembrando o passado.
Perscrutando o futuro

Claustros herméticos.
O silêncio um sepulcro.
Horizonte sem cores.
Definharam-lhe os sonhos.
Paraíso perdido.

Agora é livre.
Plana no alto.
Alcançando o mundo.
Sem mãos a medir.

O vento o sopra.
Se enche de cores.
Escreve o que sente.
Parece arder.

Por tudo se interessa.
Sente gosto em viver.
A vida é fugaz.
Tão rico o mundo
Não se pode perder.

Têm graça os rios,
De ventre bojudo,
Banhando as margens,
Correndo para o mar.

As aves nos céus
Que voam tão leves,
Vivendo a cantar.

As fontes jorrando,
Sem nunca parar,
Saciando as gentes.

As nuvens no céu,
Com formas bizarras,
Parecem paradas.
Deixam na terra
O que tiram ao mar.

Fico pensando
Que parar é morrer...

Berlim, 24 de Abril de 2019
10h17m
Dia de sol
Jlmg

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Sinfonia dos comboios

Sinfonia dos comboios

Correm o mundo sobre linhas.
Rasgam os ventos e silvam agudo como feras.
Percorrem vales e campos verdes.
Ladeiam rios em serpente.
Já não borrifam fumo em golfadas brancas.
Saúdam as gentes em suas aldeias.
Enfrentam a negridão da noite destemidos.
Passam para o outro lado da serra onde nasce o sol.
Depois de muitas horas, chegam ao mar da eternidade.

Depois, apenas trocam de locomotiva e regressam à casa donde partiram.
Sua sina é não ficar em nenhum lado.

Berlim, 23 de Abril de 2019
7h28m
Lindo dia de sol
Jlmg

O casal de esquilitos

O casal de esquilitos

Vivem nas árvores, perto do parque de brinquedos.
Quando as crianças se vão embora, eles descem.
Correm o chão à procura de alimento.

Convivem com a passarada miúda e as pombas ambulatórias.
Pacíficamente. Cada um no seu ofício.
Farejam a areia. Trepam aos bancos. Arrebitam as orelhitas e o pescoço. Miram em redor.
Sabem o que procuram.

Os passaritos, aos pares, esvoaçam de ramo em ramo.
Contentes, chilreiam todo o tempo.
Há um casal que vive infiltrado e em segurança, para lá dum buraco do prédio de habitações.

De vez em quando, poisam os melros pretos, muito vaidosos de como são.

E os corvos, em altos voos, lançam ufanos, para todo o lado, aquele grasnar rouco e pouco belo.
Indiferentes a todo o mundo. Como se mais ninguém aqui houvesse...

Berlim, 22 de Abril de 2019
9h26m
lindo dia de sol

Jlmg




domingo, 21 de abril de 2019

Amêndoas de Páscoa

Amêndoas de Páscoa

Pedrinhas macias, polidas de cores, desenho oval.
Pedaços de ternura que adoçam todas as agruras e nos invadem de alegria.
A grande festa da pequenada pela festa da Ressurreição.
Quando se ia de casa em casa sempre à espera de mais umas poucas.

Havia as duras que nem pedras.
E as molinhas de trincar.
Aquela prenda que havia dentro,
coitada, perdia a vida, mal conquistava a liberdade.

Uma regueifa fresca e um saquinho delas era a prenda dos padrinhos.

Que ricos gestos embelezavam o alvor da nossa vida...

Berlim, 21 de Abril de 2019
10h9m
Lindo dia de sol
Jlmg


sexta-feira, 19 de abril de 2019

Bicas, fontes e fontanários de Lisboa

Bicas, fontes e fontanários de Lisboa

Tantos, belos e calados, os fontanários espalhados por Lisboa.
Adormecem e acordam, jorrando em abundância, a água fresca benfazeja.

Criam espaços amplos, arborizados, onde crescem as flores e as sombras de Verão.
Poisam neles as aves sequiosas e acaloradas, lhes dando vida e alegria.

Pelos bancos ao seu redor, se sentam os velhos já cansados, olhando para o passado e também os casais de namorados, sonhando com o futuro.

Normalmente, em largos livres ou ao pé das ermidas e igrejas.
Se enchem de piedosos e janotas, depois de cumprirem seu dever dominical, em bonançosa cavaqueira.

Vastas alamedas, largos e jardins se desenvolvem à sua volta, refrescados pelos inesgotáveis acordes que brotam e se elevam em arcos do seu seio.

Deambulavam por eles em liberdade, à tardinha, as damas e os cavalheiros,  de vestes engalanadas, naqueles tempos idos, de acalorado romantismo.

Berlim, 20 de Abril de 2019
7h27m
dia de sol
Jlmg








O reinado da batata doce...

O reinado da batata doce...

A natureza é vertical. Não dá favores.
Trata todos por igual.
Compensa na medida justa e hora certa quem parece receber menos.
Foi assim com os tubércolos.
As praças e mercados do mundo inteiro se entulharam de batata doce.
Ninguém lhes resistia.
Enquanto os demais ficavam na horta a apodrecer.

Fenómeno geral, sem explicação. Muito menos justificação.

Quase desapareceram, de vez, ninguém arriscava cultivar.
Os nabos, as cenouras, a mandioca e o inhame e tantos outros.

Avassaladora a procura da batata doce. Só porque era doce.

Eis que a ordem natural tudo resolveu, sábiamente.
Avançou com outra espécie. Com pouco açucar.

As donas de casa, depressa se renderam à versatilidade e bons resultados culinários deste novo tubérculo. De cor esbranquiçada e de aparência menos vistosa.
As mesas se enriqueceram com novos pratos.
Assada, frita ou cozida eram um sucesso garantido.
Grande reviravolta se operou.

Hoje em dia, a batata doce é excepção.
Que seria do mac´donald se a natureza voltasse atrás!...

Berlim, 19 de Abril de 2019
9h1m
dia de sol
Jlmg


quarta-feira, 17 de abril de 2019

Melaço

Melaço

Com mel e aço se faz unguento, um espaço de doçura.
Tudo depende do jeito de se ser.
Quem resiste ao pão e à colher da sopa.
Frutos da natureza.

A sapiência é o que fica da arte de aprender.
Tudo está ao nosso alcance. Apenas damos nosso esforço.

Quem não se esforça fica preso para sempre à cepa.
Custa subir a escada. Mas encurta a distância e alarga os horizontes.
A amizade se conquista com a doçura dos nossos gestos e sorriso.

Berlim, 18 de Abril de 2019
dia de sol radioso
8h00m
Jlmg


terça-feira, 16 de abril de 2019

Astros

Os astros

Miríades de seres gigantes preenchem o espaço infinito do céu.
Nos circundam vertiginosos. Num silêncio sepulcral.
Descrevem rotas helicoidais, com a precisão milimétrica dum relógio ideal.

Que sabemos nós o que e para que são?
Deles recebemos o dia e a noite.
As estações do ano e as marés do mar.
A luz, a chuva e o vento são seus instrumentos para, em orquestra, tocarem a sinfonia da nossa existência.
Seu maestro é o Criador...

Berlim, 17 de Abril de 2019
7h43m
Jlmg


Abcedário...


O abcedário...

É longo e preciso o teclado em que eu escrevo.
Primo as teclas alinhadas sob a melodia dum poema.
Faço acordes iluminados pela luz da inspiração.
Teço temas como o tear tece um tapete.
Desfio linhas de fusas e semi-fusas, com colcheias e bequadros.

No final, fica um quadro onde os sons e as tintas dão as mãos.
Paira sobre mim um horizonte imenso de harmonia.
E, pensar que com letras se pode dizer o que vai na alma...

Berlim, 16 de Abril de 2019
19h40m
Cair da tarde
Jlmg

segunda-feira, 15 de abril de 2019

O meu quintal

O meu quintal

Minha liberdade tem os limites do meu quintal.
Se minha bola, por descuido, vai cair no do vizinho, só com sua autorização lá posso entrar.

Antigamente, a propriedade era sagrada.
Pela violação da estrema, havia sangue ou mortes.
É legítima a poda do ramo do vizinho que invada o nosso prédio.

Só o vento e a chuva têm plena liberdade de o invadirem.
Nada respeitam.  
Uns intrusos e atrevidos.
Ninguém lhes faz frente.
A quem se pode pedir contas?
O melhor é deixar passar...

Berlim, 15 de Abril de 2019
21h27m
Jlmg




Não somos todos iguais...

Não somos todos iguais

Embora da mesma massa, não somos todos iguais.
Cada um tem sua figura e forma. Seu jeito de ver a vida e os outros.
Nos agrupamos por termos o mesmo torrão, à nascença.
Pela língua que herdamos.
Necessidades comuns, essenciais à conservação da terra que nos mantém.
Pegamos armas, se for preciso, a quem invadir nosso castelo.
Sentimos o mesmo dever de deixar aos nossos filhos a mesma terra que herdamos.
Cantamos o mesmo hino nas horas de festa e de convívio.
Choramos as mesmas dores quando o infortúnio nos bate à porta.
Nos aquecemos ao mesmo sol e nos banhamos no nosso mar.

Porque respeitamos nossos vizinhos, nos revoltamos quando traídos pelos chefes que nos traficam.

Uniões. Confederações e semelhantes são armadilhas que nos tramam e não buscam o bem comum...

Ouvindo Rachmaninov: Symphony No. 3 in A minor, Op. 44 (Ashkenazy, Koninklijk Concertgebouworkest)

Bar do Edecka, em Berlim, 15 de Abril de 2019
Tarde linda de sol
Jlmg



domingo, 14 de abril de 2019

Variedade...

Variedade...

A riqueza da natureza está na variedade e abundância.
Tantas espécies de seres povoam a terra.
Vêm de sementes tão pequenas e parecidas.
A crosta que veste a terra é feita de material, aparentemente morto e inerte.
Vendo-o a fundo, se depara um inextricável movimento de partículas orquestradas, movidas por energia oculta.
As plantas, terrestres e aquáticas, todas se diferenciam na forma e no tamanho.

Miríades de semoventes espalhados pelo mundo.
Desde os minúsculos aos extintos dinossauros.
Todos, numa dependência incontornável da seiva e da luz do sol.

E o homem, de natureza híbrida, comungando do natural e do espiritual.
Dotado da capacidade de transformar e interferir o ambiente circundante.
Muitas vezes, com efeitos muito nefastos.

Como não um fim sem um começo, onde estará o Criador?...

Berlim, 15 de Abril de 2019
8h11m
Dia de sol
Jlmg

sábado, 13 de abril de 2019

Fumaças das chaminés

Fumaça das chaminés

Irrompem, se espalham no céu, fumaças brancas e negras,
assinalando a vida nas casas da cidade.
Em volutas desmaiadas se espalham e o vento as leva e desfaz.

Em casa fica o calor e o afago que aconchegam as famílias.
Aqueles nichos bem pequenos onde germina perenemente o sonho da felicidade e o desejo de viver.

Das torres caem, em brandas badaladas, as horas que o tempo tece.

Cai a noite e a madrugada. Se iluminam as janelas.
Docemente uma chuva de silêncio se derrama sobre o casario.
No céu brilha a lua e as estrelas.

Pelas vielas e escadas sonulentas, deambulam os boémios buscando satisfazer os seus desejos.

Aqui e ali, ressoam pelas portas semi-cerradas, ternos acordes de guitarras.
Religiosamente, se canta o fado em voz lamurienta e sofredora.
Enquanto os seus amantes, enlevados com as letras, se consolam com vinho tinto e café.

Berlim, 14 de Abril de 2019
8h33m
Dia cinzento e chuvoso
Jlmg


Leveza do ar

A leveza do ar

Mergulhados na vida, precisamos de ar, condição fatal.
Diáfano e azul, nimbado de luz, frescura de mar.
Nossos olhos sorriem. Saciados de cor.
Vibra de alegria nossa alma.
A esperança no futuro reverdece.
Ferve nosso sangue pelo corpo.
Arde em labaredas o fogo dos desejos.
Queremos viajar pelo mundo.
Ir à lua e ao sol.
Dormir numa ilha tropical.
Viver encantado na eternidade...

Ouvindo Carlos Paredes
Dia cinzento
Berlim, 13 de Abril de 2019
8h58m
Jlmg

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Avezinhas

As avezinhas

Seres minúsculos, comparados com a grandeza da natureza, esvoaça, livres pelos ares e debicam no chão o seu pão.
Convivem à distância com as gentes.
Não interferem com seus passos.
Seus cantares dizem sua alegria por existirem.

Se vestem e asseiam, grátis, de seda pura engalanada.
Comungando das nossas cores e tons.
Deitam fora as penas que já não servem ou as aproveitam para os ninhos onde dormem aninhadas e criam os seus filhos.

De tudo usufruem, em liberdade e harmonia, sem leis nem mandamentos.

Berlim, 12 de Abril de 2019
8h4m - dia cinzento ameaçando chuva
Jlmg



quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Brasil de hoje

O Brasil de hoje

Um país imenso. Gigantesco. Imensamente rico. Tem de tudo. Mistura de raças. Milagre histórico.
Podia ser uma grande potência.
Porém, a sua história é atribulada.
Tráfico de escravos. Senhores das terras. Omnipotentes.
Uma monarquia. Nunca deu certo.
Veio a república. E o marxismo, com toda a força.
Um grande fosso entre as duas classes: os muito ricos e os muito pobres.
Uma Justiça pôdre.
O STF, um covil de feras.

Ali pululam todas as ideologias. Que confusão. Ninguém se entende.
Os carismáticos. A teologia de libertação. As igrejas todas.

Um catolicismo híbrido. Dá voz a tudo.
O dom das línguas. Grande espectáculo. A subversão do sagrado.
Onde está a Verdade?
Coitado daquele Povo!...

Berlim, 10 de Abril de 2019
18h8m
Jlmg

Serra do Pilar

Serra do Pilar

Contraforte de Gaia, bem preso ao chão, não vá o Douro a leve ao mar.
Se armou com um quartel.
Ali especou, mirando o Porto
e a ponte que lhe passa à porta.

Sentinela atenta.
Só passa quem vai por bem.
Ali passou Isabel.
Jovem rainha.
Foi uma festa.

O Xá da Pérsia e a Fara Diba.
Já foi há tanto!...

Tanta vez, a palmilhei a pé.
De Trancoso à Sé e a Vilar.
Como bem eu lembro.
Ainda eu era jovem...

Berlim, 10 de Abril de 2019
17h22m
Jlmg


Baladas perdidas

Baladas perdidas

Perdi minhas baladas do Rio Minho, pelas terras verdes de Caminha.
Onde a floresta de pinhais fazia a sombra que nos regalava no campismo dos verões.
Onde as marés, em marcha certa, ponham à mostra meio rio.
Muitos barquitos ficam inertes sobre o lamaçal de lodo negro.

Aquele monte cinza de Santa Tecla que nunca mais pára de subir pró céu.
As esplanadas de ócio benfazejo onde se passavam ricas tardes.
Os passeios de liberdade e segurança, com a família, pelas trilhas da serra imensa.
O lendário Vilar de Mouros que, cada ano, regalava a juventude.
Quando a vida era uma luta e a família um baluarte.
Para ali íamos anos a fio, porque ninguém queria ir para outro lado...

Berlim, 10 de Abril de 2019
9h52m
Jlmg






terça-feira, 9 de abril de 2019

Aquela hora da tarde...

Aquela hora da tarde...

Aquela hora da tarde em que o sol prepara a despedida.
Reluzem as janelas e os telhados rubros da cidade.
Hieráticas, as árvores, hirtas, estendem para o alto seus ramos semi-nus.

As aves, as pombas e os corvos, rodopiam a seu gosto, em bandos orquestrados.

As ruas começam a fraquejar da loucura que foi durante o dia.

Uma a uma, sorrateiramente, se acoita no seu prédio quem passou o dia no trabalho.
É a hora da família reunida.
Cada um no seu afã.
Cumprem religiosamente a ordem de tomar banho os filhos que viveram na escola a liberdade de aprender.
Enquanto a Mãe, à volta do fogão, enche a casa daquele cheiro, gostoso e inesquecível do refogado com cebola.
A TV que espere, em silêncio e apagada, - é a regra sacra- sua hora de ditar...

ouvindo Tchaikovsky - Symphony №5 (Bernstein

Berlim, 9 de Abril de 2019
19h37m
Jlmg




domingo, 7 de abril de 2019

Suavemente...

Suavemente...

Como chuva branda e suave, a vida flui terrena, aspirando à eternidade.
Um rasto de lembranças, doces e amaras, fica no horizonte do passado.
Arrimo à mão nas horas de infortúnio quando apetece dizer não.
Certezas de esperança que reacendem as trevas negras do futuro.
Manta ténue de leveza que afaga nossas agruras.
Luminoso nascer do sol anunciando o raiar da primavera.
A arte sublime de dizer sim à vida quando a fraqueza nos ameaça.

ouvindo Raposódia de Rachmaninov

Berlim, 8 de Abril de 2019
8h28m
Jlmg




Varanda pró rio

Uma varanda pró rio

Que sorte, ter uma varanda ou porta,
na encosta da margem do rio.
Vê-lo passar, manso ou bravio, a caminho do mar.
Ouvi-lo cantar, horas a fio, sem nunca parar.
Os salpicos da chuva ferindo-lhe o dorso sem magoar.
Os barcos, roncando ou gemendo, subindo contra a corrente.
Ver suas manhas, fingindo de manso, assustando os afoitos.

Ó que fortuna!
Descer uns dois passos, de cana na mão, lançar o anzol e esperar o que vem.
Encher o bornal sem gastar um tostão.
Voltar a subir. Acender o fogão.
Em poucos minutos, o almoço está feito.
Só falta comê-lo na nossa varanda...

Berlim, 7 de Abril de 2019
9h38m
Jlmg

sábado, 6 de abril de 2019

A temperatura

A temperatura

Força clandestina que domina os corpos e os seres.
Não tem rosto. Invisível.
Só a sentem os seres vivos.
Mantém e altera suas formas.
Desde o granítico ao fluido do gasoso.

Transforma os mares em pólos de gelo.
Desfaz em correntes intermináveis as moles geladas da crosta da terra.

Segreda brisas ténues de doçura que nos adormece junto ao mar.
Desembainha a espada das tempestades e põe em ordem a natureza desordenada.

Não se vê. Apenas se mede e pesa. Sua medida é o grau.

Berlim, 7 de Abril de 2019
7h34m
Dia de sol
Jlmg

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Matriz das ideias

Matriz das ideias

Fonte inexaurível donde brotam os pensamentos.
Como nascem e donde vêm, ninguém sabe.
Aparecem no horizonte da nossa mente, como estrelas.
Brilham com mensagens.
Dizem de nós mesmos e do mundo.
Infinita variedade.
Têm cheiro e têm cor.
Descrevem as essências e prevêem o futuro.
Fazem sorrir a alma.
Consolam nossas tristezas.
Apagam o fogo que nos avassala.
Traçam nosso caminho.
Nos guiam pelas tormentas quando desencadeiam.
Transformam o que nos envolve para nos tornarem mais felizes.

Ouvindo Carlos Paredes

Berlim, 6 de Abril de 2019
7h47m
Jlmg


quinta-feira, 4 de abril de 2019

Trovoada ao longe

Trovoada ao longe

De repente escuresceu lá para os lados do Marão.
À uma todo o gado que pastava pelos campos, recolhe a casa.
As galinhas e o galo se escondem no poleiro.
À pressa, as donas aturdidas, recolhem toda a roupa do estendal.
Apenas a que cora fica estendida sobre a relva, porque isso é bom.
 As mães acenderam já uma velinha à Senhora da Conceição.
Só a lenha, quase seca, se mantém impávida nos seus castelos.

O silêncio é fúnebre. Apesar dos raios fulminantes que esquartejam o céu ao longe.

Nos pombais as pombas assustadas deixaram de arrulhar.
Uma chinfrineira desenfreada dos cevados nos currais atordoa todo o lugar.

Não tardará muito e do céu, virá de enxurrada, uma catarata medonha de chuva aos cântaros.

Indiferentes ao fulgor dos raios, os cães-pastor cumprem religiosamente o dever de manter de pé os seus rebanhos.

Se agarram ao alto dos telhados os pára-raios à espera das faíscas.

Até a cabra da vizinha que esperava dar à luz, começou as dores de parto.

Agora que se cerraram as portas e janelas de toda a aldeia, venha quando quiser a trovoada, porque o São Jerónimo e a Santa Bárbara estão ali bem perto ao nosso lado...

Ouvindo a sétima sinfonia de Beethoven
Berlim, 5 de Abril de 2019
8h26m
Jlmg


A força do sorriso

A força do sorriso

Uma lâmpada que se abre na escuridão.
A derradeira âncora que pode prender um amigo prestes de se perder.
A chave-mestra da amizade que abre todas as portas.
Um perfume colorido que inebria como o duma flor.
O segredo que vence toda a resistência por mais forte que ela seja.
A arma branca sempre à mão. Não há ninguém que diga não.

O cavaleiro do olhar que fascina o mais descrente.
O terror que desarma a inimizade qualquer que seja a tempestade.

Um dom da natureza que acompanha o homem desde o berço sem olhar à cor da pele ou à riqueza onde nasceu.

ouvindo Frédéric Chopin: Piano Concerto No. 1 e-minor (Olga Scheps live)

Bar dos Motocas, arredores de Berlim, 4 de Abril de 2019
15h13m
Jlmg

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Adormecer...

Adormecer...

Pairar sobre a existência como se não a tivesse;
Ser e não ser como se é, sem deixar de o ser;
Reflectir a imagem da morte mantendo a vida a fluir;
Refazer suas forças para continuar a viver;
Examinar a dormir, o presente e o passado, sem cuidar do futuro;
Expressar sem palavras que o descanso é preciso.
Parar de pensar para aclarar as ideias.
Sem pão e sem sono, ninguém consegue viver...

Berlim, 4 de Abril de 2019
8h9m
Dia luminoso de sol
Jlmg


segunda-feira, 1 de abril de 2019

Confiança

A confiança

A única linguagem em que todos se entendem.
Não precisa palavras nem juras.
O selo sagrado que firma contratos, negócios do bem e, às vezes, pró mal.

A força ingente que enlaça e que une.
A luz que ilumina o caminho e os passos da vida.
Abre as portas cerradas por medo.
Chave que abre portas de ferro.
Muralha de pedra que protege castelos onde, livres, se pode viver.

Sem ela, o sol se esconde e tudo escurece.

Berlim, 2 de Abril de 2019
7h55m - o sol já brilha
Jlmg