terça-feira, 29 de outubro de 2019

Matizes da tarde

Matizes da tarde

Na gelada palidez da tarde, avultam acesos, os matizes das árvores.
Desmaiou-lhes o verde ao frio.
Restam os amarelos caiados de ovo.
Rostos transidos circulam a caminho do Super.
Há sempre alguma coisa que falta.
Enquanto meu filho se banha no Índico.
Ao serviço de Moçambique.
Quarenta e cinco graus ao sol.
Só mergulhando nas ondas.
Outras paragens.
Que almejo sonhando…

Bar do Edeka em Berlim, 29 de
Outubro de 2019,
14h45m
Jlmg

Com peso e medida


Com peso e medida

É preciso temperar o que se bota na panela.
Mesmo assim, muito cuidado para não se queimar o estrugido.
O excesso de à-vontade é esturro certo.

O agasalho quer-se na medida justa.
Conforme o frio.
Se não, vem a constipação e lá se vai a liberdade de passear.
Nem o Vick-vaporab resolve a embrulhada.

O parto, antes dos nove meses, traz problemas que podem até ser sérios.
Chegar antes da hora não é bom princípio.
Se corre o risco de nos convidarem a sair da sala.

Ouvindo Schubert - Impromptu No. 3, Op. 90 (Kissin)

Berlim,29 de Outubro de 2019
11h5m
Jlmg


Demasiadas coincidências

Demasiadas coincidências…

São demasiadas para serem só coincidência.
Cada vez que saio para a minha caminhada, de manhã ou não,
Se repetem encontros. Topadas da chiola nos mesmos buracos.
Os mesmos cães e donos pela trela.
Até a velhota dos sacos, não andrajosa, vem sentar-se , em frente, no banco do recreio infantil.
O mesmo bando despreocupado de corvos e melros pretos.
Só as folhas que caem lá de cima, de secas e amarelas, não o são.
E, quando volto ao meu prédio, é o mesmo elevador que me leva ao quarto andar…

Ouvindo HAUSER - Adagio (Albinoni)
Berlim, 29 de Outubro de 2019
9h52m
Jlmg

segunda-feira, 28 de outubro de 2019


Sono da tarde

É leve e breve o sono da tarde.
Não dá para sonhar.
Simples paragem para se atestar a energia.
O dia é longo. Carregado de exigências.
Se desgastam nossas reservas.

Se refrescam as ideias.
E limpa o negrume das amarguras.
Se aligeira o peso da existência.
Bom exercício de liberdade.
Enquanto a doença que é provável não chega…

Berlim, bar do Edeka, 28 de Outubro de 2019
16h2m
Jlmg





Reclamo impetuosamente

Reclamo impetuosamente…
Declaro guerra à fome e ao esquecimento do mundo rico ao mundo da pobreza extrema.
Sujeito à secura devoradora da desertificação.
Pela África negra profunda e mal amada.
Desventram-lhe todas as riquezas e abandonam-na à lei da fome.
Onu. EU. UE.
China e Rússia.
Todos os Aerópagos do poder do dinheiro e da influência vil.
Se irmanam na hedionda arte de explorar o terceiro mundo.
Fazem e propagam guerras assassinas de vítimas inocentes.
Ouve-se gritos lancinantes de cortar o coração.
Ninguém lhes acode.
Ó Terra-Mãe madastra!?
Caia sobre ti a Justiça inclemente até se erradicarem de vez estas insolências que brotam do coração da Humanidade!...
Ouvindo André Rieu - My African Dream (Live in South Africa)
Berlim, 27 de Outubro de 2019
19h53m
Jlmg


Menor que a sombra

Somos menores que nossa sombra da tarde, estendida ao comprido no chão.
Por mais que andemos, nunca alcançamos a ponta da sombra que o sol nos batendo por trás, faz de nós uns gigantes.
Quanto mais se trilha mais ela escapa.
É ardilosa. Onde nos quererá levar.
Vai sempre em frente.
Se não se muda o rumo, é o precipício que a esperará.
É seu fim.
Nunca mais se encontra.
Esconde-se na sombra quando o sol lhe falta.
Quando reaparece não se lembra de nada.
Muito pior que a sombra é o nada…
Berlim, 27 de Outubro de 2019
12h49m

Jlmg

sábado, 26 de outubro de 2019

Crepúsculo das paixões

Crepúsculo das paixões
Da parte delirante das paixões, depressa, se desce para o vale sombrio das lamentações.
A rampa é estreita e afunilada.
Cada vez mais sós.
Mal irá se não se ocupa logo o lugar da outra.

Não mais esquecem as paixões da infância.
Aquela amizade preferencial durante a escola.
Era uma rosa vermelha a filha do vizinho.
Irradiava sol escaldante durante as férias.

O priminho brasileiro que veio de férias às suas raízes.
Era um encanto ouvi-lo falar.
O ciclone no 15 de Agosto na Santa Quitéria.
O que ele ria a contar à prima Laurinda.
Num repente, o arraial ficou despedaçado, com o vento e a chuvada.
Nunca mais o vi.
Será avô como eu sou...

Berlim, 26 de Outubro de 2019
13h20m
Jlmg

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Vales sombrios



Vales sombrios

Encurralados nos montes, vegetam na sombra.
Só nesgas de sol.
Escorrem cascatas das serras.
Todas somadas, lhe dão um riacho com vida.
Arredado do mundo.
Só quem lá nasce é capaz de ficar.

Mas, no Inverno, tudo muda de cor.
Deslumbramento.
Se reveste de neve e
Enche de gente.
A festa dos skys.
Ó que alegria.
Não se pode perder…

Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
15h13m
Jlmg




quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Reminiscências


Reminiscências

Em movimento constante, o tempo vai deixando para atrás o que nos acontece em cada dia.
Presente fica só a memória e o agrado ou não do que passou.
Essa mesmo se vai desvanecendo.
Chega a apagar-se.
Mas não.
Se radica naquela zona de nós mesmo, onde não chega nossa vontade.
Forma estratos. Firmes. Bem entrosados no nosso íntimo.
Como um depósito real onde reina o inconsciente.
A ele acede a corrente da consciência a propósito de cada instante.
É bom que ele seja rico.
Para iluminar e enriquecer o nosso presente.

Berlim, 24 de Outubro de 2019
18h09m
Jlmg



Vozes do outro mundo


Vozes do outro mundo

Quando os dias se passam e não acontece nada, as pessoas se apanham do imaginário.
Criam lendas acerca das barrocas fundas e das charnecas endiabradas.
A partir da meia-noite não há afoito que atravesse a Barroca Funda.
Quem vai da Lixa para Penafiel.

É quando ali se reúnem em algazarra, todas as almas penadas da região.
Só a aurora do sol nascente as escorraça para o outro mundo.

Um dia, houve um atrevido que ousou passar por lá.
Um pânico se apoderou dele. Desmaiou e ali passou a noite. Como uma pedra.

Dizem que só o Zé- do-Telhado por ali passava quando intentava seus assaltos, a favor dos necessitados.
O bom ladrão…

Berlim, 24 de Outubro de 2019
13h07m
Jlmg




quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Desistir


Desistir

Quando vêm os primeiros assomos de desistir, é bom pensar que todas as grandes vitórias se alicerçam em muitos ataques de desistência.
É normal. Tendemos a quedar-nos na letargia.
Onde não cabe qualquer esforço.
Quem precisa de falar outra língua terá de despender do seu tempo.
Adquirir um dicionário. Estudar a gramática e ouvir quem a fala com atenção.
O saber inato não existe e o dom das línguas só tem quem Ele quer.
Cair ao chão faz parte do aprender a andar.

Bar dos Motocas , arredores de Berlim, 23 de Outubro de 2019
16h6m
Jlmg

Os frascos


Os frascos

De mel, geleia ou marmelada.
Guardados num armário à mão.
Mitigavam nossas amarguras.
Quando a dor ou a tristeza batiam à porta, sem se lhes dar licença.

Amendoins, pinhões, figos secos e amêndoas.
Levantavam nosso moral.
Nas tardes tristes de Invernia.

Um licor melado de amarguinha.
Ninguém o fazia melhor que minha avó.
Dava vida à sombra quando tudo parecia dar torto.
Mas melhor que tudo. Uma revelação.
Os frasquinhos de goiabada que uma prima trouxe de férias a Portugal…

Berlim, 23 de Outubro de 2019
12h58m
Jlmg