segunda-feira, 18 de maio de 2020

Terra visceral



Terra visceral
Negra e húmida.
Terráquia. Salubre.
Túrgida de vermes.
Crescem as ervas.
Revivem lombrigas.
Minhocas sadias transmitem a força.
Corta-a o arado, raviça hirsuta.
Aparecem ladinas, se expõem ao sol.
Fertilizam searas.
De milho e de trigo.
Alfobre sem fim
Que amadurece no estio.
Cozinha sem escola.
A natureza a ensina.
Milho maduro.
Vinho da cepa.
Um regalo servido,
Sem cerimónia nem fraques.
O milagre das rosas no regaço da terra...
Mafra, 18 de Maio de 2020
19h14m
Jlmg

Um mar de influências





Um mar de influências

Barquinho à solta , navegamos num mar de influências.
A vida é uma aprendizagem constante desde o começo.
A linguagem vem dos nossos pais e gente próxima.
Feita de sinais sonoros dá-nos o significado dos seres que nos rodeiam.
Passam ideias na nossa mente.
É pela linguagem que elas se comunicam manifestando nossa vontade e sentimentos.
A expressão e o sentido da autoridade para acautelar os nossos primeiros passos por decorre nossa vida.
A convivência geral dos povos e das gentes que povoam nossa terra.
É este o oceano imenso que nos banha e sustenta à superfície.

Ouvindo Schubert

Mafra, 18 de Maio de 2020
11h7m
Jlmg

domingo, 17 de maio de 2020

O cesteiro das Idanhas


O cesteiro das Idanhas
Uma casinha baixa, comprida, ali à face da estrada que vai para a vila.
Existiu ali um cesteiro. Trabalhar o vime era sua arte.
Anos 50/60.
A família ia buscar a matéria-prima na borda do rio. Varas de salgueiro verdes.
Estavam em molhos, encostadas à parede da casa.
A elas recorria para fazer uma giga, um açafate ou, sei lá que mais.
Trabalhava o dia todo. À vista da gente que passava.
Lembro o cheiro forte que se exalava daquelas varas.
Não era agradável.
Mas, a simpatia e a simplicidade tudo suplantava.
A evolução dos tempos destronou o vime.
O malfadado-bem-amado plástico tomou conta de tudo…
Mafra, 17 de Maio de 2020
17h42m
Jlmg

Nossas amarras



Nossas amarras

Não nascemos soltos e livres.
Trazemos dentro novelos de amarras.
Tolhem-nos os gestos e os rasgos que brotam naturais.
Põem-nos à prova a capacidade de reprimir tendências e inclinações.
Somos híbridos nas nossas manifestações.
Temos ânsias de infinito e de perfeição.
Por outro lado, há chamamentos obscuros que nos apelam.
Nem sempre para o bem e a perfeição.
Temos de chamar a vontade e a razão para refrear nossas inclinações.
Nem sempre boas e puras.
Nascemos com algemas no corpo e na alma...

Mafra, 17 de Maio de 2020
12h48m
Jlmg

sábado, 16 de maio de 2020

Baile dos morcegos


Baile dos morcegos

Se acham lindos os morcegos.
De que se haviam de lembrar os do meu lugar.
Organizar um baile e convidar a aldeia inteira.
Numa noite de luar.
Se dividiram os ânimos.
- Ridícula ideia.- Pensaram uns.
- Porque não? - acharam outros.
- Afinal, são seres vivos como os outros.
No dia aprazado, um cortejo de morcegos engalanados saíu da torre do campanário, o seu castelo, e desceu voando sobre o lugar.
Esparzindo luz como se fossem fosfóreos
Borbolearam harmónicamente, em voos feéricos que descreviam arcos como se dum bando de andorinhas.
Seus chilreios formavam um coro bensonante.
Semelhantes ao da passarada quando ataca alegre as espigas do pasto seco.
Ficou para a história.
Foi uma noitada viva como nunca os anciãos viram lá na aldeia...
Mafra, 16 de Maio de 2020
10h 29m
Jlmg

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Balada das horas





Balada das horas

Ritmados no tempo, à cadência das horas, avançamos vencendo o espaço.
São duros os passos. Há ventos contrários. Impiedosos. às vezes, ciclónicos.
Nos acicatam e tolhem.
Ninguém os previa.

Habituados à calma, bebíamos as horas adoçadas com mel.
A liberdade era a lei.
Íamos e vínhamos como apetecia.
Uma bica na esplanada, ao sol.
Um passeio na praia.
Visitávamos os amigos a todas as horas. Era só avisar.

De repente, tudo mudou.
O medo instalou-se.
O "raio" dum vírus, a princípio sem nome, começou a ladrar com raiva de cão.
Invisível, ninguém lhe pode atirar a matar.
A tudo resiste.
Poisa na terra. Anda no ar.
Agarra-se à gente, com sanha nos dentes.
Atira-nos ao chão.
Um duelo maldito que ele pode vencer sem qualquer remissão.

Espalhou-se o pânico.
Só fechados em casa e, mesmo assim...

Ouvindo Khatia Buniatishvili plays Piano Concerto No. 2 by S. Rachmaninov

Mafra, 15 de Maio de 2020
20h40m
Jlmg

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Tardes suaves

ardes suaves

Horas suaves à mesa

Na esplanada do café

Nesta praça de Évora.

Década de sessenta.

Cumprindo a tropa.

RI-16.

Juventude em pujança.

O futuro era a esperança e o sonho.

As tardes eram escaldantes.

Por bosques e montados.

Calcorreando veredas.

De "mauser" ao ombro.

De fato zuarte,

Suando as estopas,

Robustecendo pernas e braços,

Conquistando moinhos.

Ao cabo de meses,

Partíamos para África.

Não mercenários.

Na defesa da Pátria.

Entregues à sorte.

Os anos passaram.
Dezenas.
Favor do destino.
Hoje eu relembro as tardes de Évora.
Emoção e saudade...

Mafra, 14 de Maio de 2020
10h55m
Jlmg