quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Para trás das costas...



Para trás das costas…

Quando nada mais se pode, por mais voltas que se dê,
Nem com a ajuda do irmão,
A solução só pode ser lançar tudo para trás das costas.

O tempo é sábio e poderoso.
Tem chaves escondidas.
De acesso exclusivo.
Só ele sabe onde elas estão.

O equilíbrio da natureza é natural.
Em todos os seus três reinos.
Só a paciência não.
É parca e fraca.
Só a reflexão serena a sossega e a mitiga.

Se não for hoje, talvez seja amanhã…

Café Castelão, 31 de Agosto de 2017
8h51m
Jlmg


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Repasto das gaivotas...

Repasto das gaivotas…

Aquele pesqueiro que, à mesma hora, ao largo, lança fora pedaços de peixes mortos,
traz atrás um bando permanente de gaivotas.
Parecem famintas. Batem as asas. Grasnam. Não tocam no mar.
Esperam a hora. Numa disputa feroz,
Enchem o papo e vão passear.
Não têm relógio mas sabem das horas.
O fitam de longe. Seguindo-lhe a rota.
Só descem ao chão na hora da lota.
É assim que elas vivem. Voando e cantando. A mesma está posta.
Não é preciso bater.
Basta entrar…

Tapada de Mafra, 31 de Agosto de 2017
7h33m.
Jlmg

Fogoso fio de água...

Fogoso fio de água...

Fogoso fio de água se desprendeu das fragas altas da montanha,
saltando pedras e cavando sulcos,
vem sedento, vem faminto,
se alarga na extensa planície.

Duas margens o seguram e o prendem.
Simula o sono, por debaixo dos arbusto.
De repente, se desprende num voo louco,
se precipita no abismo e, moribundo, fica exangue.
Pelas encostas e veredas, descem bandos de famintos.
Ora cabras ora vacas.
Se embebedam e refrescam
de água fresca.
Voltam fortes e agradecem ao amigo sempre pronto
Em ledas horas de descanso.
ouvindo concerto para violino e orquestra de Sibellius, por Sarah Schang
Café Castelão, 30 de Agosto de 2017
10h2m
Jlmg

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Por um dia só...



Por um dia só…

Por um dia só eu queria ser gaivota.
Voar nas alturas das falésias sobre o mar.
Ver as rochas brancas lá ao fundo a afogar.
Poisar serena na areia a repousar.

Bater as asas e fazer-me ao cimo.
Jogar com o vento às escondidas.
Alcançar o horizonte em duas braçadas.

Sentir-me rainha do firmamento como se tudo fosse meu.

Surpreender um peixe a tentar se soltar das ondas e trepar ao céu com o papo cheio por mais um tempo.

Dormir sereno, minha cabeça sob as asas.

Dançar na tarde ao pôr do sol a valsa triunfal das valquírias…

Tapada de Mafra, 29 de Agosto de 2017
15h52m
Jlmg

O calhamaço...



O calhamaço…

Já faz um calhamaço o livro da minha vida.
Cada dia é uma folha que eu rabisco.
Encetei há pouco o quarto capítulo.

O da infância tem caligrafia pura em traço fino.
Revela cores e tons de sol nascente.
Se desfaz em luz.
Cheira a campo e mar.
Seu perfume é das flores e maresia.

Nele se cinzelou a minha alma.
Seu código foi a fraternidade e a boa
vizinhança.
Depois veio o da escola. Com tantos vícios.
Modelação insensível, à sombra de intenções malsãs.
Como a da competição e a adoração da força.
A do quanto mais se tem melhor.
Sem importar o como.

A seguir o da tropa. Com suas paradas de obediência à força.
Onde o gatilho era o valor supremo.

Depois veio o da vida. Mar tumultuoso. Com tantos ventos.
O naufrágio é a ameaça constante.

Agora, viver é fazer de conta e reler atrás…

Café Castelão, em Mafra, 29 de Agosto de 2017
Vê-se gente com guarda-chuva aberto…
Jlmg