terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Os furos do cinto...



Os furos do cinto…

São um barómetro de precisão.
Por eles refreio a lenha de minha lareira.
Tanta vez a arder sem ser preciso.

Trocá-la por bons toros
De salada verde
É o bom caminho.
É leve e não fumega.
Para me sentir bem
E gostar mais da minha sombra.

Não é fácil.
É possível, se houver vontade.
Prevenir é bem melhor,
Enquanto é tempo…

Berlim, 1 de Fevereiro de 2017
8h46m
De cinza o tempo
Jlmg









Estou-te grato...

Estou-te grato…

Te agradeço, ó Natureza,
Este corpo que me deste.
Nem mais nem menos.
Matéria e forma.
Tudo certo.
Tem corpo e alma
Que pensa e sente.
Que sonha e ama.
Ligado ao mundo.
Em união tão estreita,
Não tolera a solidão.
Recebendo e dando,
A toda a hora,
Numa sístole e diástole.
Segundo a lei da consciência.
Te sinto meu,
Te quero bem,
Ora servo,
Ora meu dono.
Em perfeito entendimento.
Por ti eu vivo,
Mas só eu sei quem sou…
Berlim, 31 de Janeiro de 2017
16h08m
Jlmg

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

De novo, a brancura fria dos telhados...
Suave e lenta, no silêncio da madrugada,
ela caíu, caiando tudo.
De novo, a brancura fria dos telhados
se expõe ao céu,
convidando à paz e ao recolhimento.
Rasgaram-se as estradas com sulcos negros.
Com cautela, pelos passeios,
se espalham fundas as marcas negras das passadas.
Reluzem os famintos corvos negros,
debicando o pão oculto
para suas crias.
Está na hora da chilreada dos cortejos para as escolas.
Quem me dera arregaçar as mangas
e fazer bonecos como nos invernos frios da minha escola...
Berlim, 31 de Janeiro de 2017
8h44m
JLMG

Com pedaços...

Com papéis em pedaços,
Farrapos e lascas de pedra
E o poder da imaginação,
Se afundam as cavernas,
Se avultam os castelos.
Se adoçam as cabanas
Para as noites de invernia.
Se agregam as calçadas e as valetas.
E entopem os canos dos lavatórios.
Bendito barro e argamassa
Que reduziu a nada
Toda a tormenta antepassada.
Berlim, 30 de Janeiro de 2017
10h56m
JLMG

sábado, 28 de janeiro de 2017

Quão belo o dom de cantar...

Quão belo é o dom de cantar...

Quão belo é o dom de cantar.
Pelo vibrar da voz
Se faz subir o hino da beleza e formosura.

Se ultrapassam as distâncias do etéreo e inefável.

O homem, com os pés no chão,
De olhos fechados
Se alcandora às vertigens do divino.

Por isso, os anjos cantam, oram mas não falam...

ouvindo "Alleluya" a voz e piano

Berlim, 28 de Janeiro de 2017
21h20m

JLMG


Com serenidade...

Com serenidade...

Com muita serenidade e meditação
se chega ao cume do inefável.
Tantas nuvens negras se dissipam.
E a lucidez vem.

A clareza do horizonte brota
como clarão do sol ao nascer.

Toda a terra se cobre de cor e vida
e nossa alma se delicia com tanta beleza.

As agruras se esvaem em felizes volutas
pelo céu acima.
Ficamos prostrados naquele celestial êxtase
que só o sonho traz.

Noosos olhos ficam arrebatados só
pelas promessas da esperança no futuro...

ouvindo "Alleluya" a violino e piano

Berlim, 28 de Janeiro de 2017
20h57m

JLMG


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

De novo Polónia...

De novo, Polónia...

De novo a Polónia,
Aqui mesmo ao pé.
Desta vez, luminosa e ensolarada.

Renques longos de bosques nús
Ao longo de toda a estrada.
Vastos campos brancos
De gelo eterno.

Por fim, Slubice,
Serena e pobre.
Outro mundo,
Muito mais parado.

Os rostos frios.
Mas acolhedores.
Os cabelos hirtos
E os olhos fundos.
Muita contenção nos gestos.

Tantas marcas negras
Que o tempo não apagou.

Ausswitz.
Apesar de longe,
Faz-se sentir aqui.
Minha homenagem lhes rendo...

Slubice, 27 de Janeiro de 2017
16h33m
JLMG

Clarão a leste...

Clarão a leste…


Grande clarão brilhou a leste
Anunciando um dia de sol,
Rica prenda,
Que também é de festa.

Passo a passo,
Degrau a degrau,
Sem dar conta,
Vamos subindo
A escada longa,
Uma torrente viva
Que nos levará ao mar.
Muitas vezes tristes,
Tantas mais alegres,
Ó que viagem bela,
Nos prendou a sorte
Onde o futuro é sonho
E a esperança é madre.

Berlim, 27 de Janeiro de 2017
9h51m
JLMG

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Por direito próprio...

Por direito próprio...

É minha a terra onde nasci.
Por direito próprio.
Do seu húmus puro
eu brotei.
Como seu fruto.

Nela plantei o meu futuro.
Surgiram nela
meus quatro ramos.

Dela me vem a identidade.

Carrego a carga toda
dos antepassados.
Apenas elo eu sou,
sem mais querença.

Procuro ser sempre digno
da sua bênção...
Seja longo meu futuro.

Berlim, 26 de Janeiro de 2017
14h46m
JLMG


Minha taça cheia...

Minha taça cheia...

Ergo minha taça cheia e brindo.
À vida cheia.
Ao sabor dos dias
que vão e vêm.

Ao passado em que labutei lutando.
Às vitórias que registei cá dentro.
Aos erros com que aprendi melhor.

E ao bem de graça
que recebi de todos.

Foram tantos os meus amigos.
A todos lembro.
Uns já partiram.
Com os demais eu vou.

Foi certeiro o torrão
onde nascemos.

Berlim, bar dos Motocas
26 de Janeiro de 2017
14h6m

JLMG

A escassos passos...

A escassos anos...

A escassos passos do fim,
se aclaram as dúvidas
e ficam mais radiosas
todas cores e tons.

Desaparece o sobressalto de cada dia
pela incerteza do futuro.
Tudo é certo e nítido.

Se acabam as quesílias
pelas mesquinharias.
Rigorosas as dimensões das formas.
O que é belo é belo
e nada mais.

Não há mais lugar para a indiferença e hora perdida.
Tudo conta e sabe bem.
Fosse assim sempre,
por toda a vida
e outra melhor ela seria.

Mas somos como fomos enquadrados.
Desde a origem.
A vida é luta.

O sonho é no raiar de cada dia...

Berlim, bar dos Motocas,
26 de Janeiro de 2017
13h50m
JLMG

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Não me cheira a feno...

Não me cheira a feno...

Aqui desta varanda alta,
É pena!
Não me cheira a feno
nem a jasmim dos campos.
Muito menos a mar...

Só a cor da neve,
nem sequer o sol
e o sabor do sal.

Mesmo assim é linda
esta praia de branco,
onde o mar é chão.

Onde está viva a vida
e o viver é bom...

Berlim, 25 de Janeiro de 2017
8h48m

Jlmg

Pedras adormecidas...

Pedras adormecidas…


Mesmo tórridas ou enregeladas,
Ali jazem presas, encravadas,
Sobre o chão.
São tapete.
São toalha.

Fazem de veias.
São o caminho
Que encurta o espaço
E aperta o tempo
Entre as aldeias.
Vem a noite
E nasce o dia.
Ora acima,
Ora abaixo.
Passa o pobre
E passa o cura.
A todos serve,
Ninguém repara.
Brilha ao sol
E escorre à chuva.
Com valeta
Ou sem valeta.
A guerra à lama.
Ali dormem.
Sono eterno.
Rica mesa
E boa cama.

Berlim, 24 de Janeiro de 2017
17h37m
Jlmg

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Senhoras prateleiras...

Senhoras prateleiras...

Tiram da cartola, numa multiplicação infinda,
aquele espaço aéreo que faz falta ao chão.

Se expõem e se oferecem francas
para servirem bem,
somando áreas,
que suportam pesos,
arrumando bens,
colocando à mão.

São escaparates.
Onde se vê de tudo.

Ali estão os livros
E repousam fotos.

Tudo ali se guarda,
Desde a loiça aos copos.

E, conforme as épocas,
Até a fruta há.
Como sabem bem.

Que lindo jardim suspenso,
Se se lhe põem vasos,
Onde brilham cores
E os perfumes cheiram...

Berlim, 23 de Janeiro de 2017
8h58m
manhã fria e nublada
Jlmg

domingo, 22 de janeiro de 2017

São curtos meus voos na poesia...

São curtos meus voos na poesia...

É imenso e belo o mar da poesia.
Muitas vezes, envolto em denso nevoeiro.
De medonho, me prendo à terra
Esperando que o sol ou o vento
O vença e o dissipe.

Só então, eu solto minhas asas
e me abalanço e vou.

Minha alma se lhe entrega e vibra
como uma harpa crente.

Uma inefável invasão de tons
Me anunciam um tema.
Se se inflama em mim o fogo divino
Da inspiração,
Me limito a ouvir
E, como um rio,
A deixar correr a minha pena.

Depois o leio com sublime enlevo
E nele, como um pecador contrito,
Me banho e purifico...

Berlim, 22 de Janeiro de 2017
20h18m

Jlmg



A declinação das palavras...

A declinação das palavras...

Reflectem a luz e o pensamento,
em permanentes rodopios.
Se orientam rigorosas
pelo sentido da transparência.

Mirando atrás, focando à frente,
com a precisão do rigor milimétrico
das distâncias.

Usam as vestes essenciais dos seres
e praticam todas as formas
com a ajuda dos instrumentos
e das circunstâncias.

Traduzem as acções directas dos agentes,
na forma activa e na passiva.
No presente, no futuro e no pretérito.

E, conforme as circunstâncias,
recorrem aos complementos
para bem situarem suas acções.

Tanto são variáveis como inflexíveis.
Independentes quer do modo quer do tempo.
Se ajustam para sempre aos seres,
em perfeita identidade.
Outras, apenas, recursos furtivos de circunstância.

Nada guardam para si mesmas.
Apenas servem o melhor que podem,
às ordens do pensamento...

Berlim, 22 de Janeiro de 2017
16h19m

Jlmg

suavidade...

A suavidade…

A suavidade, em doses certas,
Faz brilhar as superfícies.
Implica cortes.
Cerceia ímpetos.

Como uma plaina aguda,
Sobre uma tábua,
Tudo aplaina
E faz luzir.

Ficam expostos todos os traços.
Sua rede interna.
Onde corria a seiva.

Se aplica a cera
E um móvel lindo
Aparece à luz.

A aspereza tudo arranha.
Faz feridas.
Fazem sangrar.

Até a voz se altera
E perde a graça.

Um gesto brusco
Provoca avalanches
E arrasa tudo.

A suavidade abranda a marcha.
Poupa esforço
E garante a meta…

Berlim, 22 de Janeiro de 2017
8h44m
Amanheceu luminoso
Jlmg

Criar tabus...

Criar tabús...

É a estratégia ignóbil
dos pequenos grupos
que têm o poder nas mãos.

Em todas as áreas sociais.
Nas religiões.
Nos Estados soberanos.

Criam papões de meter medo.
A subjugação subtil.

Foi assim com o cardápio dos pecados mortais e veniais...
Tanta tinta estragada
em volumosos tratados!...
Que medonhos!...

O fogo ínfero...
Eterno!...

Tantas vidas se sacrificaram.
Estérilmente.

Deus é Amor e simples.
Deus é Pai.
Não fomos nós que nos criámos nem modelámos...

Se queimaram sonhos.
Espezinharam almas.
Pelo temor sem causa.
Através dos séculos.

E continua a haver.
A quem serve o fanatismo,
senão a grupos de opressão?...

Bar dos Motocas, 22 de Janeiro de 2017
11h34m
dia de sol
Jlmg

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Saida do nada...

Saída do nada...
Há uma musa que canta
e encanta, saída do nada.
Voz refulgente,
com brilho,
doçura e transparência.
Sóbria.
Vibrante.
Entoa e pinta com cor
o fulgor e a sombra.
Lhe brota da alma,
pureza de fonte,
num timbre de prata,
cristal a brilhar,
banhado de sol.
E foi por acaso,
alguém encontrou...
Susan Boyle.
Berlim, 20 de Janeiro de 2017
9h0m
Jlmg

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Com um abraço...

Com um abraço ou um sorriso…
Se desfaz uma inimizade velha
Que não levava a nada.
Para quê gastar a vida ignorando
Quem vive ao lado.

Descurando o bom que tem para dar.
Negar-lhe o bom que tens.
Ninguém é tão rico
Que nunca precise de alguém.
Afinal, pouco basta para nos atirar por terra.
Quando todos pegam,
A vida fica mais leve.
É maior a alegria do dar
Que do receber.
Só o sabe quem um dia precisou
E encontrou ajuda…
Ouvindo a “Marcha fúnebre” de Chopin
Berlim, 19 de Janeiro de 2017
22h24m
jlmg

Passos cadenciados...

Passos cadenciados…


Oiço passos cadenciados
Sobre as lajes do caminho em pedras.
São os tamancos,
As patas do gado.
São das vacas e dos cavalos,
Lá vão eles,
Cada dia. Para seu pasto.

Ficou deserta esta aldeia.
Sobram casas. Abandonadas.
Todo o mundo debandou.
Uns, para França. Para as cidades.
Outros morreram.
E se é bonita esta aldeia!
Que pena! Ninguém pega nela.
Só dois casais de velhos. Transmontanos.
Muito rijos.
Aqui nasceram.
Aqui casaram.
Não arredam pé.
Berlim, 18 de Janeiro de 2017
22h13m
Jlmg

Duas vacas malhadas...

Duas vacas malhadas…


Possantes, duas vacas malhadas,
Puxam o arado
E rasgam, revolvem a terra,
Expoem-na ao sol.

Vêm as fresas, de dentes afiados,
A arrasam, aplainam e limpam.
Dezenas de sacos, de estrume das cortes,
Enriquecem o húmus
Que espera a semente.
Ao cabo de dias,
Do segredo interno,
Brotam em força,
Tenras pontinhas,
Pintadas de verde.
Crescem os caules,
Raiados de sol.
Soltam-se-lhe os ramos,
Vestidos de folhas.
Surgem-lhes as espigas,
Túrgidas de grão.
E o amarelo de oiro,
Forjado ao calor,
Anuncia a colheita.
Está pronta a servir…
Berlim, 19 de Janeiro de 2017
9h31m
Jlmg

Partir compensado...

Partir compensado…

Lavado de sol,
Partir compensado,
Correndo pelo mundo,
Fulgindo de paz.

Na verdura dos vales,
Cresceram flores,
Raiadas de cores.
Brisas suaves,
Em ondas constantes,
Trouxeram abelhas,
Encheram os favos,
Colmeias de mel.
Doçura doirada,
Servida gratuita,
Nascida do nada,
Ao alcance das mãos.
Eflúvios sonoros,
Pairam no ar.
Vibram as asas.
Aves em bando
Entoam hinos,
De serenidade
E de paz…
Ouvindo música de filmes
Berlim, 19 de Janeiro de 2017
10h11m
Jlmg

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Milésimos degraus...

MIlésimos degraus...

Milésimos degraus
De escadas rolantes,
Parados e estanques,
Se alcandoram ao céu.

Vasam as nuvens carregadas de sal.
Adormecem frenéticos, estáticos,
Nas vertigens da altura.

Sem passadas ocultas.
Atravessam desertos,
Alamedas tão longas,
Vias lácteas celestes.

Entram no nimbo
Onde sossegam as almas,
Varridas da terra,
Cheias de lama.

Derretem as chamas
Dos ínferos infernos.
Penam pelas injustiças do mundo.

E, no cais da abóboda,
Onde atracaram cometas,
Despem casacas
E tiram as botas.

À volta dum lago,
Se revolvem os demos.
Há cisnes pretos, sem asas
Que velam os mortos.

Nas paradas desertas,
Há faluas sem velas.
Perderam os mastros.
Carregam pecados
Que não mereceram perdão.

Nos prados sem pasto,
Dormitam as vacas,
À espera do feno,
Na secura das palhas.

Viagem sem termo
E sem volta das almas penadas...

Berlim, 17 de Janeiro de 2017
8h47m

Um amanhecer radioso e gelado

Jlmg

À minha frente...

À minha frente…


À minha frente,
Há um horizonte refulgente
Que desperta.
Vem frio mas luminoso.
Tem tons de cobre
E aguarelas de cor azul.
Das casas dormentes,
Saem volutas negras das chaminés.
E, transparentes, de ramos nus,
Se oferecem aos céus,
As copas altas pedindo sol.
Incessantes, em cortejo infindo,
Chegam cansados os aviões para Tegel.
Dos telhados escuros,
Mui lentamente,
Escorre sua toalha branca.
Mais um pouco, já não é precisa, apago a luz…
Ouvindo “Para Elisa” de Beethoven
Berlim, 16 de Janeiro de 2017
7h53m
Jlmg

Aquele sarilho d'aço...

Aquele sarilho d’aço…

Arrastava pedras como um gigante
Aquele sarilho d’aço.
Com tanta força e tanta leveza.
As elevava à torre
Onde moram os sinos.
Sempre brilhante.
De cordame liso.
Muito esticado.
E roda a roda,
Por braço estreme,
Descia a pedra
Para o poço fundo.
Se preciso fosse,
Até o mundo…


Berlim, 16 de Janeiro de 2017
13h13m
Jlmg

Me revejo em cada pedrinha...

Me revejo em cada pedrinha da minha rua...


De tanto passar sobre elas,
as conheço uma a uma.
Não chegariam os nomes que há no mundo.
Mas conheço sua história.

Era de terra a estrada.
Cada inverno a escalavrava.
tantos sulcos.
Pareciam rios.
Um dia, chegaram os cantoneiros.
Com vagonetas de casacalho.
Depois de limpa e bem alisada,
espalharam pedrinhas em tapete.
O cilindro as pisou bem firmes.
Se agarraram uma a uma.
E uma pista nasceu ali.
Nelas corriam nossas motas,
carros de pau.
De vez em quando, lá ia um joelho.
O pior eram as calças...
Nossas mães não perdoavam.
Por isso as sei de cor
e elas mim,
apesar dos anos.
É linda a festa que nos fazemos...
está tudo branco
Bar dos Motocas, 16 de Janeiro de 2017
14h45m
Jlmg

Na foz do Lisandro...

Na foz do Lizandro…

Frente ao mar,
Ali mesmo onde o Lisandro desagua,
Ergui uma tenda e passei a noite.
Serena e nua brilhava a lua.
E a Órion era uma fortaleza em linha.
Por isso a paz banhava a terra.
E as ondas num vai e vem constante,
Traziam conchas,
Deixavam beijos,
Não só para mim
E para os namorados
Do novo dia.
Bendita noite
Onde parei o carro
E montei a tenda,
Com muita sorte,
Foz do Lisandro…
Berlim, 16 de Janeiro de 2017
9h39m
Jlmg

Se quebraram todos os arcos...

Quebraram-se todos os arcos…
Os de ogiva e de volta inteira.
Aqueles, de aliança
Que eram pontes, 
Por onde passava a paz.
Todos partiram.
Tantos estilhaços
E pedaços mortos.
O do Triunfo!
Escorrendo glória.
Que jaz na sombra.
O da Rua Augusta!
Que linda história.
Vá lá.
Ficaram de pé os Arcos de Valdevez!...
Porque o povo saíu para a rua
E bateu os pés.
E a seguir os de Baúlhe.
Talvez porque escondidos.
Agora, tudo é recto.
Sem sabor.
Onde a arte?
Nem de pedra são.
Que pobreza!
É só betão.
Ouvindo o 2º concerto para piano de Rachmaninoff, por Fedorova
Berlim, 16 de Janeiro de 2017
11h48m
Jlmg

domingo, 15 de janeiro de 2017

Salão dos motocas...

Salão dos motocas...

A este salão de madeira,
muito asseado,
assomam famintos,
os motocas da estrada,
homens, mulheres.

É cada motona!...

Devoram salcichas.
Entornam cerveja
e gargalham felizes.

Fico pensando,
com certa inveja.

Porque não também e assim,
no meu Portugal?...

A resposta é fácil.
Há um governo a sério.
Que bem que os trata!...

Bar dos motocas, 15 de Janeiro de 2017
15h4m

Jlmg



Pelos caminhos da aldeia...

Pelos calmos caminhos da aldeia...

Pelos calmos caminhos da aldeia,
andam serenos,
entre a casa e os campos,
os obreiros do pão.

Os portões de madeira
que dão para a escada,
abrem e fecham
a cada vizinho que bate.

Das cortes do gado
e das adegas de vinho,
saem ufanos
os carros de bois
que levam barris.

Nas amplas cozinhas,
sem forro nas telhas,
pendem fumeiros,
enquanto as donas de casa,
de avental na barriga,
tiram do forno
o pão de centeio.

Do alto das torres,
dos sinos da igreja,
repicam os sinos,
nos dias de festa,
ao santo da aldeia.

Berlim, 15 de Janeiro de 2017
12h47m
Jlmg





borboteiam no ar...

Borboleteiam no ar...


Borboleteiam sem asas,
farrapinhos de lã,
tecidos nos céus,
cobrem as casas
e atapetam o chão.

Alminhas fugidas,
caminhada tão longa,
chegam cansadas,
querem dormir.

Pedacinhos de velas
de barcos perdidos,
na aragem gelada
por falta de sol.

Cambraia desfeita
de noivado acabado
que o tempo desfez.

Repousem serenas
nos braços da terra
e sonhem que um dia
hão-de voltar...

Berlim, 15 de Janeiro de 2017
11h41m

Jlmg



sábado, 14 de janeiro de 2017

Piano mendigo...

Piano mendigo…

Piano tristonho, desiludido da vida,
Sentou-se cansado na borda da estrada,
Pedindo esmola.
Passou uma harpa, de crista empinada.
Tocando vaidosa.
O mendigo pediu.
Ela avançou. Nem olhou para o lado.
Veio um violoncelo,
Cismando na pauta,
Corcunda.
De olhos no chão.
O mendigo pediu.
Ele rugiu.
Seguiu preocupado.
Com uma corda partida.
Depois um oboé,
Vaidoso,
Todo encantado,
Reluzindo ao sol.
Mendigo pediu.
Ele nem ouviu
E seguiu indiferente.
Depois, veio um jumento.
Trazia uma bateria impante,
Escarranchada nas costas.
Mendigo pediu.
O burro zurrou.
A batuta assustou-se e caiu.
Calada, sem ela, partiu.
Por fim, um violino aflito,
Entoando vibrante,
Um concerto sozinho.
Perdera a orquestra.
Mendigo pediu.
O violino parou.
Sentou-se a seu lado.
Convidou o piano.
Formaram um dueto,
Para sempre amigos…
Ouvindo um piano e orquestra
Berlim, 14 de Janeiro de 2017
10h2m
Jlmg

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Pó e teias de aranha...

No meio do pó e teias de aranha...

Desço à adega.
Fresca e serena.
Há resmas de pipas e pipos,
Por debaixo dos caibros
de carvalho vetusto.

Não há bicho mordaz
que o fure.
Mas, abunda o pó numa manta
poisado
e, pendem no ar,
como em cortina,
as inúmeras teias de aranha.
Ninguém as escorraça.

E, em sono suave,
dentro das pipas,
sossega o vinho,
aquele néctar dos deuses
que é regalo dos homens...

Bar dos motocas, 12 de Janeiro de 2017
11h4m
JLmg

Só o sonho é livre...

Mixórdia negra...

Aquela candura branca e alvinitente
desapareceu.
Cobria o chão e era um regalo divinal.
Agora, tudo é lama negra e sórdida.

Bastou subir uns degraus do calor a escala.
E a fealdade tomou conta.

Tudo é efémero na natureza.
Só o sonho é livre.
Não há calor
nem temperatura baixa
que o apague...

Bar dos Motocas, arreores de Berlim,
12 de Janeiro de 2017
10h51m

Jlmg

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Afónica e catatónica...

Afónica e catatónica...

Ao cabo de milénios de desenvolvimento,
desde os tempos da pedra lascada
até à arrogante viagem ao espaço,
com sputnics e foguetões,
após revoluções e convulsões,
com genocídios e gazocâmaras;

Dos colossos piramidais, lá no oriente
e nas ameríndias
que ninguém sabe bem ao certo;
das barragens arrasadoras
para fabrico da energia eléctrica,
e das maquiavélicas centrais nucleares
que ameaçam matar o mundo;

Das tenebrosas lucubrações filosóficas
que nos arrasam de confusões estéreis;

E das macabras religiões mortíferas
que tudo arrasam
em nome do amor aos deuses;

Quando a ciência,
faminta de tanto saber,
quase implodiu
e não conseguiu eliminar a morte;

E as artes se baralharam,
com tantos estilos,
sacrificando a beleza à fealdade;

Eis que uma onda,
afónica e catatónica,
num terrível tsunami,

secou-lhe a esperança
e afogou inteira a humanidade...

Berlim, 12 de Janeiro de 2017
8h4m

Jlmg

Evolução dos seres...

Evolução dos seres...

Entraram no mundo
com uma forma bem delineada.
Perfeita.

Uns permaneceram quase inertes.
Sempre os mesmos.
Só a erosão dos elementos
lhes amaciou as arestas.

É o reino imenso dos minerais.

Outro grande grupo, quase infinito
é o dos vitalizados.

Destes, há os cravados ao chão.
Dele haurem o seu sustento
e pela seiva em constante movimento,
mudam de cor, trocam as vestes,
crescem e se reproduzem.
Pelas flores e pelos frutos.

São os vegetais, aéreos e aquáticos.

Depois vêm os semoventes.
Numa escala que vai,
quase do zero ao infinito.

Têm propriedades sensitivas
e recriadoras.
Se atraem para acasalar
e originam seus semelhantes.

Se deslocam na terra
buscando seu alimento.
Indispensável para a vida
se mantenha em forma.

Sentem alegria e dor.
Gemem e choram
quando a tristeza ou risco
os atemoriza.

Suas formas divergem
desde as mais simples às complexas.

É-lhes comum sua indiferença
total ao tempo e à finitude.

Por fim, o reino humano.
Erecto e vertical, na pose
e no seu andar.
Em constante luta
para sobreviver.

O ser único, capaz de reflectir.
De engendrar e construir,
segundo a lei do melhor conforto.

Intercomunica seu pensamento
pela voz e pelo gesto.

Constroi e regista a própria história,
de grandeza ou infortúnio.

É o único que tem medo pelo seu futuro...

Berlim, 11 de Janeiro de 2017
23h47m

Jlmg










Casas de pedras encasteladas...

Casas de pedras...

Casas de pedras encasteladas,
bordadas de fitas,
cobertas de telhas de barro,
com janelas estreitas,
prantadas nas encostas,
viradas ao sol.
Vos fito de longe
e desejo como fadas de sonho
que o sonho criou.
Onde nasceram crianças
que cresceram raiadas de luz
e de cores.
Inundadas de paz e alegria,
por dentro e por fora.
Sois encanto eterno
do tempo passado.
Embevecido,
vos miro de longe...
Berlim, 11 de Janeiro de 2017
16h16m
Jlmg

Queria parar o tempo...

Queria parar o tempo...

Vertiginoso o tempo corre
desenfreado e devorador.
Corta-nos inclemente os momentos felizes.
Semeia tristezas e sombras,
escurece de negro,
a magia das horas.

Me insurjo e vocifero.
De ouvidos cerrados, avança
e me lança desprezo.

Como seria tão bom,
se o tempo parasse
nas horas sadias
da infância,
com cor e com brilho.

Quando os pais embalavam
e enchiam nossa vida de paz
e alegria sem jaça...

ouvindo Grieg

Berlim, 11 de Janeiro de 2017
15h34m

Jlmg

Ócio das horas...

Ócio das horas...
Cálidos momentos
no ócio das horas,
no bar dos motocas.
Impávidos,
indiferentes ao tempo,
alemães pelas mesas,
trocam ideias,
mastigam
e bebem café.
Seus rostos serenos
saboreiam a vida,
confiam em quem manda
e não fazem as contas.
Entram e saem
e voltam contentes.
Privilégio de poucos.
No meu Portugal,
pela desordem que impera,
é só para os ricos...
Bar dos motocas, arredores de Berlim,
10 de Janeiro de 2017
11h15m
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Por sendas e azinhagas...

Por sendas e azinhagas…
Por sendas e azinhagas
Corriam as lendas tenebrosas
De fadas e duendes,
De assaltos e aparições.
Almas penadas de gente nota
que voltavam à terra
Para vingarem a sua história.
A do abade milagreiro,
Ao fundo do passal,
Com suas rezas e incensos,
Ao luar das madrugadas.
A do lendário Zé do Telhado
Que, sem temor,
Assustava meio mundo,
Roubando ao rico
Para dar ao pobre.
A do barão da Quinta Velha
Que passava as noites
Em festanças
E cantava desgarradas.
Era o tempo dos serões
Em que a família feliz
Se reunia à volta da lareira…
Berlim, 10 de Janeiro de 2017
20h20m
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Rio profundo e misterioso...

Rio profundo e misterioso…
A escasso metros da estrada,
Na encosta alcantilada,
Bem no fundo,
Corre o rio,
Profundo e sinuoso.
Ali segue esfaimado apressado,
Saltanto cachoeiras,
Lavrando enseadas,
Fugindo das alturas
E das neves traiçoeiras.
Como serpente longa e solitária,
Ora estreita ora alarga,
Mudando a cor à tona
E a profundidade de seu leito,
Aqui se espraia e tudo alaga,
Ali abraça, deixa saudade,
Reflectindo o céu e as encostas,
Marejadas de aldeias.
Como é belo aquele rio,
De margens belas, verdejantes,
Onde, pela alta madrugada,
Se banham as fadas e as sereias…
Ouvindo “Somewhere in time…”
Berlim, 11 de Janeiro de 2017
8h59m
Jlmg

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Gélidos suspiros...

Gélidos suspiros...

Brotam do chão
gélidos suspiros.
Refulgem no ar
farrapinhos de neve.
Voam suaves
e caem tapete,
forrando a terra.

Dolentes pegadas
cravam carimbos,
marcas de pés,
patas de corvos.

De frio, tremem as árvores
despidas de folhas.

À volta do lago,
coberto de gelo,
se alinham os patos,
meditam na vida,
esperando o sol.

Nas vidraças das casa,
se acendem as luzes
para o café da manhã.

É a hora da escola
e do trabalho à espera.
Seria tão bom
ficar no quentinho,
mas não...

ouvindo "história de amor" de Beethoven

Berlim, 10 de Janeiro de 2017
9h02m
Jlmg



sábado, 7 de janeiro de 2017

Pelas portadas milenares das catedrais…


Passaram reis, princesas e plebeus,
Através dos séculos,
Pelas portadas milenares das catedrais.
Se ajoelharam cónegos, bispos e cardeais,
Frente aos altares do sacrifício.
Subiram ao púlpito possantes vozes
De preclaros oradores de estola.
E suas naves altas se enchiam
Da gente humilde que rezava.
Pelo país inteiro,
Havia romarias em festa
Aos seus patronos.
E havia torneios de cavalos fulgurosos
Frente aos palácios ricos da fidalguia.
Foi assim que,pelos tempos fora,
Viveram os antepassados…



Berlim, 7 de Janeiro de 2017
9h35m
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Cavatina...

Formosa e esbelta...

Passo a passo,
em ritmo certo,
seguia a ninfa,
de olhar profundo,
tão formosa e esbelta
que a natureza, 
de dolente e fria,
se acalorou de sol.

Até o ribeirinho manso
se quedou a vê-la.
E os pardais sairam do ninho,
ver a princesa
que ali ia ao pé.

E as ramadas verdes
bailando à brisa,
lhe faziam vénias
e sopravam em coro.

Suave alquimia,
de curar as almas,
e fazer sonhar,
aquela ninfa bela
que, de longe a longe,
nos vinha ver...

ouvindo "cavatina" do filme "O caçador"

Berlim, 7 de Janeiro de 2017
15h27

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sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Tarde luminoso...

Tarde luminosa…

Luminosa e amena
Se fez esta tarde calma.
Caíu a neve e aquele capacete cinza
Se dissipou em luz.

O frio é suave,
Embora reine no negativo.
Apetece arrostá-lo de frente,
Mas bem agasalhado.
O corpo aquece,
A alma exulta.
Sabe bem andar ao sol
Que não é sol,
Apenas brilha.

Berlim, 6 de Janeiro de 2017
15h18m
Jlmg

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Vestida de lã...


Vestida de lã...

Vestida de lã,
baila no ar,
rodeada de núvens,
a poesia com sol.

Procura amigos
para jogar aos bonecos,
nos passeios e bosques,
era tanta a saudade,
tardou a chegar.

Me consolo a vê-la,
desta janela cá em cima,
voando com ela,
em bailado sem fim.

Há um ano a não via.
A saudade que eu tinha,
só eu o sabia,
não a contava a ninguém.

Berlim, 5 de Janeiro de 2017
14h56m
Jlmg


Histórias com cor...

Histórias com cor...

Nos primeiros dias da minha pré-reforma, há uns, 18 anos, saboreva eu um passeio livre por Lisboa.

Ali, no Cais do Sodré onde se apanha o barco para Cacilhas e o comboio para Cascais, há um pequeno bar.
Fui lá tomar uma bica.
Havia gargalhadas.
A cantadadeira de rua habitual em certos pontos de Lisboa, a cantar acompanhada com seus ferrinhos, estava ali. Sempre a sorrir e bem disposta.
Apesar de cega, corre tudo sem qualquer ajuda.

- Então não tem pena de não ver?- perguntou-lhe alguém.
- Eu não. Vejo tudo à minha maneira...Prefiro assim que não ter uma perna.

Ouvi-a eu. Nunca mais esqueci.

Ontem à noite, na RTP internacional, ali estava ela, mais madura, mas sempre a mesma. Num programa público.

Vi-a e reconheci-a logo.

Foi aí que ouvi a sua história linda. Única.
Cegou aos quatro anos. Filha duma família pobre com 23 filhos.
Algures no Porto.
Criou-se em Lisboa graças a uma ajuda caridosa, e aos 18 anos, passou a viver sózinha.
Vendendo cautelas de lotaria e depois, cantando.

Alguém estrangeiro que a ouviu cantar reconheceu o timbre único da sua voz e consegui-lhe a gravação dum disco.
Era um maestro de Viena de Áustria...
Vieram concertos por todo o mundo.
Nos intervalos, volta aos mesmos sítios e mesmo ofício.
Gostei de vê-la.


Berlim, 5 de Janeiro de 2017
12h13m
Jlmg