domingo, 28 de fevereiro de 2016

minhas fronteiras...

Minhas fronteiras...

Não conheço bem o limite das minhas fronteiras...
Gostava de viver no mar como uma ilha.
Solitária.

Não sentir o martírio dos pontos cardeais.
Rodar à volta como um pião
e adormecer feliz.
Sem dar cavaco a nenhum vizinho.

Esta cruz de ver onde se põe o pé,
para não pisar o risco
e não choverem as represálias
por razões mesquinhas,
como se a Terra não fosse de todos...

Nem ligar ao espaço aéreo. Cuja lei é mais infinita que a lei dos mares.

Quereria ser rei no meu reino de liberdade.

Bar "caracol", arredores de Mafra
28 de Fevereiro de 2016
17h18m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

janelas...

décimo terceiro poema da casa nova
as janelas...
as janelas são pequenos pedaços 
tirados às casas,
em troca do céu
e do vento.
há-as paradas.
as que abrem e fecham.
para fora ou para dentro,
adónis.
têm feitios e formas.
umas redondas.
outras em linhas,
com ângulos.
e outras, góticas
ou áticas.
umas são portas opacas,
outras tapadas de vidros,
pintam a luz em vitrais.
umas impúdicas,
se expõem de nuas,
tais quais..
outras se põem cortinas,
fingindo de tímidas.
falam do tempo que faz
e mostram a gente que passa.
todas nos ligam ao mundo.
Berlin, 28 de Fevereiro de 2015
7h45m
Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 27 de fevereiro de 2016

chuva negra...

Chuva negra e circundante...

É negra e circundante
esta chuva que não dorme.
Noite e dia insistente.
Teimosa e melancólica.
Insolente.

Tudo inunda. Um rio agitado e fluente.
Não se cala e não olha.
Não é filha.
Não é mãe.
Sem dó nem piedade
dos cavalos mansos
que ali dormem.

Irreverente.
Faz de bruma ao sol nascente,
na sua hora de raiar.

É bem feita!
A terra a bebe e a devora.
A sepulta morta no seu ventre...

Bar "caracol" arredores de Mafra
27 de Fevereiro de 2016

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

são negras as rochas...

São negras as rochas...

São negras, mesmo cobertas de espuma,
as rochas.
Mas, são loiras as areias molhadas da praia.

Encanta-me o azul do céu e do mar.
Me inebria o iodo das algas
e plantas marinhas.

Me assombra o voo alado dos pares de gaivotas
que espreitam e colhem,
sem semear.

Admiro os homens da pesca
que galgam as ondas,
como se fossem cavalos ferozes.

Agrada-me ver a festa vareira
dos açafates de peixe
que enxameia os barcos
e regalam as mesas famintas
esplanadas e bares.

É a labuta da vida,
um drama em festa
que se tem de viver...

Bar "caracol" , arredores de Mafra
26 de Fevereiro de 2016
9h57m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

entardecer...

No "caracol" ao entardecer...


Daqui do bar, a esta hora,
o céu escurece em esplendor.
Ao longe Sintra.
Ao longe o mar.

À frente, em corropio,
a estrada cheia.
É o regresso.
Gente que vem e vai.

Neste bar-pomar,
tudo se vende.
E, ao balcão,
se vendem canecas
Com gargalhadas.

É o fim da jorna.
Amanhã há mais.


Bar "caracol" em Mafra
25 de Fevereiro de 2016
18h23m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

debaixo da língua...

Debaixo da língua...

Massacro minha cabeça para trazer à tona
o nome d'alguém tão familiar.
Quanto mais cavo menos encontro.

Me baila à frente,
e goza,
jogando ao esconde-esconde.
Mas não esmoreço.

Me faço absorto,
e não desisto.
Simulo conversas habituais.
De todos me lembro,
menos daquele.

Até que, todo risonho,
ele aparece
como se nada houvesse.

Porque é que isto acontece?...

Mafra, setemomentos, 25 de Fevereiro de 2016

11h20m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

negaças do sol...

.

Fez negaças o sol.
Abandonou a manhã às garras desesperadas da chuva.
De teimosa, não quer dar lugar
à Primavera anunciada.
Já andam por aí as andorinhas...

Quem paga estas birras somos nós.
Nunca mais assentamos com a peça certa de vestuário.

Ontem era de festa o céu azul.
Havia sol.
O mar bailava ao pé,
convidando-nos a molhar os pés.

O meu vizinho lá ia na caminhada,
de chapéu de chuva,
- um bom exemplo -
indiferente ao capricho da Natureza.

Mafra, sete momentos, 24 de Fevereiro de 2016
10h12m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

é bom regressar

É bom regressar...

A terra pressente quem sai
e quem chega.
Se prenche um vazio.

Há qualquer coisa no ar
que avisa.

A gente se sente contente
quando lhe poisa os pés.

Doce sensação da chegada.
O inverso da que se tem à partida.
O comboio do tempo não pára.

Ambas transporta de graça
E apaga.
Tudo sorri.
É este o ritmo da vida...

Mafra, sete momentos, 23 de Fevereiro de 2016
11h18m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes







o primeiro poema...
entrei na casa nova às 18h10m.
Vou começar novo capítulo
desta saga.
acridoce.
que a desgraça de Portugal
me impôs, no fim.
tornei-me emigrante à força,
para sobreviver com os meus filhos.
milhares como eu.
tiveram de ir por esse mundo
ganhar o pão
que o desgoverno do seu País lhes nega!
criminosamente!...
Portugal tem tudo quanto precisa para sobreviver sózinho.
apenas lhe falta bons políticos.
gente honesta e competente.
para o governar.
se os tivesse,
nunca teria dado o passo
para a esta união europeia,
esfarrapada...
nada tem a ver com a UE original ,
de Adenauer e outros, políticos.
de alta estatura...
foi o maior malogro da nossa história milenar.
um tenebroso assalto à gente honesta e laboriosa
do meu País...
estamos de rastos!...
e não sei qual vai ser o nosso futuro...
Berlin, 23 de Fevereiro de 2015
20h21m
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

renovar

Renovar…
A oliveira será das plantas mais duradoiras e permanentes,
À face da terra.
Muito serenas.
Pouco balançam suas ramadas discretas.
Uma cor cinzenta.
Para não dar nas vistas.
Até seus frutos,
Têm tamanho e tons,
Tão sóbrios
Mas refulgentes.
A elegância de formas
Não é seu timbre.
São tímidas.
Por vezes demais.
Se torcem e reviram todas,
Para não prenderem os olhos
De quem as vê.
Estão muito enganadas.
O seu silêncio de cinza
É tonitroante.
Ouve-se e vê-se ao longe.
Impuseram-se ao mundo,
De todas as camadas.
Das mais humildes
Às mais supostas altas.
Não há casebre, por esses montados,
Não há palacete ou santuário de culto,
Profano ou não,
Que não as cultue.
É nos jardins. É nos relvados.
Extensos ou mais exíguos.
É nas varandas opíparas
E nos terraços celestiais.
Até esses Havais…sofistas...
Ó que pobreza!
Que o deserto escolhe.
Mas quem delas recolhe
O saborosíssimo néctar
Tão bem calibrado e raro
Que ela encerrra e dá…
Se rende e prende a elas
se avassala a elas,
Suas rainhas ou mestras abelhas.
Ouvindo Albinoni…e mais
Segunda-feira a abrir-se envergonhada
Mafra, 13 de Outubro de 2014
8h55m
Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 20 de fevereiro de 2016

oração do cão

oração do cão...
ninguém o ensina a rezar.
seu deus é o dono.
que ele adora.
sem reserva nem condições.
não interessa
se é lindo ou feio.
se é pobre ou rico.
dá-lhe tudo.
só espera pelo que lhe podem dar.
vai com ele, para todo o mundo.
não reclama.
contenta-se com pouco ou muito.
o que houver.
sente o sentir do dono.
alegre ou triste.
só está bem à sua beira.
vai à frente,
mas sempre a olhar para trás.
sua fala é o silêncio
e seu olhar.
crava os olhos.
pensa forte
o que pretende
e não desiste.
acaba sempre por conseguir...
agradece
e fica alegre.
Berlin, 21 de Fevereiro de 2015
21h31m
Joaquim Luís Mendes Gomes

não matem as borboletas

por favor,
não matem as borboletas...
são flores que voam.
cheias de cores,
brilhando ao vento.
poisam nas pétalas.
deixam carinho.

levam perfumes.
batem as asas.
são bailarinas.
sempre em silêncio.
encantadoras.
deixem-nas vir.
rosas às cores.
chuva de pétalas,
no meu jardim...
Berlin, 20 de Fevereiro de 2015
15h40m
Jaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

um poema bom e lindo

Um poema bom e lindo

Depois destes oitocentos e tal quilómetros,
de Berlim até Mulhouse,
gostava de pegar na pena
e escrever um poema bom e lindo.

Tanto quanto foi esta viagem em auto-estrada livre.
Como são todas as da Alemanha.
Nem um tostão se paga.

São as veias onde a riqueza corre
como o sangue alimenta o corpo.
É um regalo vê-las.
Sempre cheias. Em toda a parte.
E bem cuidadas.

Porque não acontece o mesmo no meu país?
Tanta tristeza sinto. Não consegui escrever melhor...


Mulhouse, 19 de Fevereiro de 2016
21h44m
Joaquim Luís Mendes Gomes

exaltação das cinzas

exaltação das cinzas...
sopro para a fornalha que me arde dentro.
fico ao rubro.
brotam dos meus cabelos
volutas de fumo branco.
sobem e, esparsas,
se espalham e desfazem
em chuva ténue.
caem no chão e nas telhas dos telhados.
embranquecem como manta leve
em linho fresco.
se entranham dentro,
pelos olhos marejados.
descem ao peito,
em carinho e em abraços.
ateiam-lhes o fogo
e a fome eterna de amar...
Berlin, 19 de Fevereiro de 2015
8h41m
Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Alentejo de casinhas brancas...



Alentejo de casinhas brancas…

Casinhas brancas
Afitadas de azul
Nas ombreiras das portadas
E janelas vermelhas,
Com telhas rubras
Expostas ao sol,
Disseminadas pelos montes
E junto ao mar.

Sois casebres,
Sois oásis,
Sois alfobres de frescura
E celeiros de calor,
Todo o ano.

Alentejo imenso,
Acre e doce,
Pinheiros mansos e sobreiros,
Tanta manta extensa,
Colorida,
Um mar-jardim,
Na primavera e no outono,
Ressumando paz.

Tens rios e lagunas
Onde bebe o gado bravo,
e são as praias de verão.

Tens a caça, tens a pesca
E os segredos bem escondidos
Que os mouros aí deixaram…
És o Alentejo!

Ouvindo Nana Mouskouri
“Aranguêz”

Berlim, dia de sol, 17 de Fevereiro de 2016
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes



com sallero...

Uma força leve a move...
Uma força leve a perpassa
e se transforma em toques mágicos, bem timbrados.
marcando a escala. com salpicos.
tão picantes
de sallero..
Nos aguçam os ouvidos
para a verdade crua
da vida breve.
Só a força imposta
nos retorna o ânimo
e nos faz vibrar.
Ouvindo Manuel de Falla
Karstad, Berlim, 16 de Fevereiro de 2016
10h59m
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

parar é morrer

Parar é morrer…
Não cruzes os braços.
Frente à têvê
Ou computador.
Salta para o vento.
Umas calças e uma camisa
E põe-te a correr.
Galga encostas.
Salta as escarpas.
Foge das silvas.
Chega lá acima
Custe o que custar.
Vais sentir que valeu.
O mundo já gasto
Mudou para melhor.
Ouvindo a Tanhauser de Wagner
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 13 de fevereiro de 2016

das gaivotas

Caramelito doce…
Eram doces, doces os caramelitos
Que aquela senhora do Porto
Trazia na mala
Para dar à pequenada da Forca…
(um lugarejo da minha aldeia…)
Tinham o mesmo perfume
Da sua linda roupa,
Duma fidalga.
Nossos olhitos resplandesciam famintos.
Como os dos passarinhos à solta.
Enquanto derretiam na boca.
Que lindo rosto tinha
Aquela Senhorita bela
Que vinha do Porto, às vezes!...
Ouvindo Paco Ibanhez
Berlim, 13 de Fevereiro de 2016
8h37m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

das gaivotas

Das gaivotas…
Nem europeias, nem africanas.
Não têm nacionalidade
As asas das gaivotas.
Seu país de sonho
É o céu da liberdade.
Andam no mar ao sabor do vento.
Serpenteiam.
Tão lentas como as ondas.
Não são serpentes.
Têm garras as suas patas.
Sem licença, as suas armas.
Sempre em bandos,
Boas vizinhas.
Cada uma faz pela sua vida.
Não querem guerras.
São aves de grande porte
E poucas falas.
Dão-se bem em toda a parte
Como as violas.
Berlim, 13 de Fevereiro de 2016
9h5m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

pequenina pena

Como pequenina pena
vou no vento à solta.
Buscando altura.
Na fartura do céu.
Minha garganta opaca
me lava a boca
de amargura negra.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

o meu degredo



O meu degredo

Por um mistério indecifrável
Nasci encurralado numa bola de sabão.
Como se um castelo ao alto,
Com ameias e alçapões.

De que me servem as minhas forças todas
Se não conseguem estoirar a película!
Se fosse fraco, me contentaria…
A minha sorte.

Assim, lamento ter nascido forte
Mas sujeito à morte!...

Berlim, 12 de Fevereiro de 2016
18h19m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

camisola grenã

Minha camisola grenã...

Pus minha camisola grenã
a ver se afastava o meu torpor.

Um denso nevoeiro carregado
me impedia o sol.
Até a luz do elevador fundiu.

Fui lá fora sentir o ar e ver correr.
Havia vida e brilho nos olhares das gentes.

Minha alma encheu como a vela duma caravela.
Voltei para casa.
Já não me faz falta a camisola,
mesmo a grenã...

Berlim, 12 de Fevereiro de 2016
8h54m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

tudo passa

Tudo passa

Tudo esquece, por mais grave.
Até a dor profunda se desvanesce.
O tempo e suas circunvoluções,
Outros males,
A distância e a ausência
São adversárias da memória.

Com a bonança logo se esquece a tempestade.

Não adianta agravar a dor ensimesmando.
Façamos pausa.
Exigir que a mente se entregue a outra causa.

Divisar de longe desvanesce
E só se enxerga o saliente.

ouvindo Wagner,

Berlim, 11 de Fevereiro de 2016
8h23m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

frescura do deserto

Frescura do deserto
Soprou seco o vento quente do deserto.
Não fosse a água funda do meu poço,
Quase secava o meu jardim.
Uma rega lenta e prolongada ao alvorecer
Suas raízes tiveram sempre que beber.
Sempre colhi flores para adornar a minha casa.
Suas cores imprescindíveis quase são minha razão de ser.
Receber bem quem vem é o meu timbre.
Faça o tempo que fizer.
Nunca me falte em casa
Um sorriso e uma flor...
ouvindo Hélène Grimaud ao piano
Berlim, 9 de Fevereiro de 2016
8h51m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

os candeeiros de Paris

Os candeeiros de Paris
São belos os candeeiros acesos
Que iluminam Paris.
Brilham amarelos.
Estrelas ridentes.
Espalham idílios,
Eflúvios ardentes,
Que aquecem amantes
Nos canais de Paris.

Parecem aromas seus raios de luz.
Beijam os olhos,
Derramam perfumes,
Os fazem felizes.
Incendeiam os bares,
Esplanadas e pontes.
Parecem cristais.
Se elevam nas ruas,
Como torres ao sol.
Derramam alegria
Que inunda o mundo
Que visita Paris.
Ouvindo André Rieu
Berlim, 9 de Fevereiro de 2016
9h40m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

meu corpo no chão

Atravesso meu corpo no chão

Não deixo a água da chuva
Alagar meu jardim.
Atravesso meu corpo no chão
Como uma barragem no rio.

Desvio a corrente.
Cerro as portas.
Benzo a soleira.
Não quero que o mal entre
E desfaça meu lar.

Ventos nefastos sopram de além.
Dormem felizes meus filhos.
Não quero deixá-los entrar.

Se avizinham horas sombrias no céu.
Acendamos fogueiras.
Iluminem e aqueçam
Com fogo e amor.
Se apague a tristeza.
O sol voltará a brilhar.

Ouvindo um piano

Berlim, 9 de Fevereiro de 2016
6h33m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes



as amarras do meu barco

Se soltaram as amarras do meu barco.
Ele aqui vai oceano adentro.
Vai ufano e atento às linhas altas das estrelas.
Vai sem bússola.
Só acredita nas certezas do seu leme.

Quer marear. Num sonho longo,
Ao longe o mundo
e suas quimeras fátuas.

Ouve a voz do vento
E se acalma ao sol,
Sentindo a brisa fresca
Que lhe banha a sua proa.

Vai lançando ao mar
todas as amarguras
que o enchiam.

Se sente leve
como se fosse uma canoa.

Berlim, 8 de Fevereiro de 2016
20h31m

Ouvindo concerto  nº 1 de Brahms, por Hélène Grimaud ao piano


JLMG

domingo, 7 de fevereiro de 2016

escravo dos simples

Escravo dos simples

Prefiro ser escravo dos simples
que rei dos soberbos.
Viver enlameado no fumo das vaidades.
Cercado de criados que me veneram mas atraiçoam pelas costas.

Ter uma vida de lorde
mas só noites de tristeza.
Quem me dera passar despercebido
neste mar de fantasias.

Mais vale a solidão que o barulho opaco
da cidade.

Para que serve ser reitor
duma universidade que se vende?
Saber ouvir faz melhor que botar discurso daquilo que não se sabe.

Nem sempre dois mais dois são quatro...
Tudo depende da ordem e do sentido.

Berlim, 8 de Fevereiro de 2016
8h53m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

anti-inflamatório

Anti-inflamatório

A vermelhidão da amargura inunda-nos o corpo e a alma.
Aparece de repente sem avisar.

Um vírus, por tendência, letal.
Não vai com escalda-pés
nem emplastros de mèzinhas, no peito e nas costas.

Nem com passes semióticos da bruxa.
Nem as promessas ao patrono lá da ermida sonolenta.

Nem mil voltas de joelhos a toda a volta do santuário.

Rouba-nos a alegria e toda a vontade de viver.
Começa pela apatia. Como um rio largo que se escoa.
Vai-se a verdura luzente do nosso olhar.
Tudo seca. Sorumbático.

E o remédio?

Que ele existe, é uma certeza
e isso é bom.

É preciso tomar um barco,
um comboio ou avião.
Que nos arranque e nos liberte
daquele charco.
Às vezes, só mudando de lugar...

Berlim, 8 de Fevereiro de 2016
7h30m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

pretérito mais que perfeito

Pretérito mais que perfeito

Quisera voltar ao passado
onde quase fui perfeito,
sem condições.

O presente era presente.
O gerúndio era um tempo ultrapassado.

O infinito se conjugava em todas as suas formas.
Do pretérito e do futuro.
Mais que certeza havia a esperança
das forças imperativas do conjuntivo.

Parecia não haver sujeitos
para tantos verbos.

Mas quis a conjunção da história
e todas as suas condições
que o futuro se tornasse incoativo,
um privilégio só de alguns.

Foi a vitória de todas as formas irregulares.
Que variam conforme os tempos...

Berlim, 7 de Fevereiro de 2016
20h50m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

em lufadas de vento

Em lufadas de vento

Chegam em lufadas de vento
os lamentos dos desesperados
que não têm por onde fugir.

Bombardeiam-lhes as casas e os caminhos.
Atiram-se ao mar, sem velas nem remos.
Confiam na Providência de Alá!...

Muitos ficaram pelo caminho.
Alcançando a glória do martírio da inocência.
Outros arribam exaustos e esfrangalhados
às arribas da Europa
como vermes.

Com a esperança do resto da humanidade
que ainda resta, nesta Europa em desatino.

Se dividem as opiniões.
Entre o abandono e o acolhimento,
como se houvesse lugar para dúvidas.

Tomem-se as devidas providências,
mas não lhes fechem as portas
como se fossem inimigos.

Hoje são eles...amanhã seremos nós...

ouvindo adágio de ...com Bernstein

Berlim, 7 de Fevereiro de 2016
20h2m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes





dia de sol

Domingo de sol

Dia luzente de sol
neste bar de motocas
e motas redondas.

Espalhados nas mesas,
cavaqueiam alegres,
parecem crianças de escola.

Vestem jaquetas de couro
e trazem capuzes.

Se lambuzam de pão com manteiga e azeite
e lambem os dedos.

De goelas abertas,
sorvem café e cerveja.
Das orelhas ao léu e cabeças rapadas,
pendem-lhe os brincos luzentes.

Tatuagem às cores,
tapam-lhe os poros.
Painéis de azulejo,
sem fendas.

Chegam aos pares
e se consolam aos beijos.
Parecem duendes nos bosques.

Se falam numa língua cerrada.
Ecoam no ar gargalhadas agudas.

Na mesa do lado, há um solitário,
que pinta e rabisca
como um menino da escola...

Bar dos motocas, arredoresde Berlim, num dia de sol

7 de Fevereiro de 2016
10h54m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes




sábado, 6 de fevereiro de 2016

tudo ao natural

Tudo ao natural

Tudo se apresenta natural ao nascer do sol.
É a serra nua e é o mar.
Despida a praia
e sua areia crua.

Descem os rios num carnaval constante
pelas encostas ao léu.
São cintilantes os argênteos cardumes
que lhes brilham no seio.

E as borboletas nuas saltitam nos jardins,
beijando as flores.

Avançam afoitas,
pelo mar adentro,
sem as suas vestes,
as velhas traineiras,
só querem pescar.

Irrompem eriçadas
as ermidas brancas,
ostentando a cruz.
Caravelas perdidas
a bradarem aos céus.

E das chaminés ao vento,
brota o fumo branco.
Tanta lareira acesa
a cozinhar o pão,
tudo ao natural...

Berlim, 7 de Fevereiro de 2016
8h49m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes


muro das lamentações

Muro das lamentações

Vi-me diante dum muro alto,
intransponível.
Não era o das lamentações.

Não sou de me lamentar.
Enfrento tudo com as forças
de que disponho
e mais as que tenho à mão.

Por isso eu venço.

Não era de pedras. Antes fosse.

Nem sequer do nevoeiro denso
com que o dia amanhecera.

Vinha de dentro.
Como um peso morto.
Aquele lastro negro
Que não deixa levantar voo.

Bem batia as asas.
Meu peito arfava aflito
À procura de ar.

Minha mente rodopiava
Como em vertigem.
Tantas ideias coloridas.
E o terror de as perder.

Queria escrevê-las.
Não havia luz.
Aflição.
-Onde esconderam a minha pena?
................
Foi só pesadelo!...

Berlim, 6 de Fevereiro de 2016
23h16m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

as unhas da neta

As unhas da neta

Com paciência de santa
e alma de artista,
a avózinha de tesoura na mão,
sentadas na cama,
depois de acordar,
apara-lhe as unhas
em ambas mãos.

- Agora, já posso ouvir tuas palmas
e ver-te sorrir.

E a neta feliz desatou a cantar,
passarinho à solta,
um fim de semana,
na casa da Avó...

ouvindo "serenata de Schubert"

Berlim, 6 de Fevereiro de 2016
9h5m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

suaves horas

Suaves horas tardias
que antecedem as madrugadas.
Quando a lua cheia se passeia
como uma rainha,
a céu aberto,
com as estrelas.
Doces noites almofadadas,
ouvindo o canto sereno das sereias.
Quando nossa alma mergulha em sonhos
de deleitosas melodias.
São as horas do silêncio
em que os corpos, tão sedentos,
se saciam.
Benditas sejam...
Berlim, 5 de Fevereiro de 2016
21h16m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

bailar ao luar

Bailar ao luar

Bailar ao luar, na areia da praia, em frente do mar,
parece no céu.
Receber as ondas que chegam
banhando os pés,
nos purifica o corpo
e eleva a alma,
suave milagre,
sempre ao dispor,
basta querer...

ouvindo "Serenata de Schubert"

Berlim, 5 de Fevereiro de 2016
5h34m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

a dor de escrever

Dolorosa sensação de escrever

Há um frémito constante
que percorre meu ser.
Vem do infinito
a desaguar nas areias do mar.

Carrega toadas de amor e de dor.
Sabe a mel,
carregado de sal.

Inunda meus olhos
de luz e de cor.
De trevas sem luz,
um inferno a arder.

Sou escravo das letras.
Minhas estrelas no céu.
Vivo sózinho,
cercado de gente.
Amo o silêncio
onde mora o amor.
Semeio de graça,
pensando colher...

Berlim, 4 de Fevereiro de 2016
9h45m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

sala deserta

Sala deserta

Cadeiras desertas,
teclas caladas
dum piano sem dedos.
Portas cerradas.
O silêncio total.

As últimas palmas
se bateram há tanto.
Uma praia de gente,
esperando as ondas,
saboreando o mar,
ouvia atenta e calada,
horas e horas,
os eflúvios dos mestres
da arte divina
que a música gerou.

Chopin e Beethoven.
Strawinsky.
Génios do belo.
Tantos...
Gente imortal.
Nos enche de luz
e de cor...

ouvindo Hélène Grimaud ao piano

Berlim, 4 de Fevereiro de 2016
8h11m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

vãos lamentos

Vãos lamentos

Lamúrias para quê?
“Vão os anéis…ficam os dedos”,
Bem diziam nossos maiores.

Errar. Uma fatalidade. ´
É natural.
Há sempre uma lição, pelo menos.

O saber não cai do céu.
Sem esforço ninguém chega ao fim.

Dum pedaço bruto de granito
Só com muito cinzel
Se extrai a forma da arte
Que ele escondia.

De degrau em degrau se alcança o topo.
Desistir no primeiro
Põe tudo em causa.

Na minha vida, só uma vez eu desisti.
Seguia errado.
E nunca me arrependi.

Ouvindo Lang Lang ao piano tocando concerto nº 1 de Tchaikovsky

Berlim, 3 de Fevereiro de 2016
19h45m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

floresta adentro

Floresta dentro

Outro mundo.
Retiro-me do mundo por um tempo.
Quando a saturação vem.
Este corre-corre frenético,
À velocidade do som
Que a vida impõe.

A alma estranha.
Seu mar é outro.
Por isso é espírito
E voa.

O silêncio é o seu reino.
Nele opera e sonha.
Seu horizonte é o belo
E a harmonia.
Contemplar é sua arte.
Sem se cansar.

Viver num corpo
É sua sina.
Oprime e prende.

Ouvindo Chopin, “Nocturnos” por Brigite Engerer

Berlim, 3 de Fevereiro de 2016
8h45m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes




abandono das folhas

Caíram-me ao chão todas as folhas

Conhecia-as uma a uma,
vi-as nascer e crescer até serem grandes.
Vesti-as de verde na juventude.
Enfeitei-as às cores,
Na idade madura.

Veio o vento.
Uma a uma,
As levou para longe.
Foram morrer
E eu fiquei…

Me sinto feia e nua.
Nem sequer a neve
Me alinda a pele.

Pecados meus.
Tão vaidosa fui…

Berlim, 2 de Fevereiro de 2016
14h16m
 Ouvindo concerto nº 2 de Rachmaninov, com Anna Fedorova

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

meus erros às cores

Meus erros às cores

Estendi no chão ao sol
Todos meus erros.
Ordenados,
Segundo a cor.

Primeiro, os azuis.
Cometidos na estrada.
À luz do dia.
Uma grande faixa.

Ultrapassagens indevidas.
Velocidade excessiva.
Nunca, em contramão…
Alguns, com multa.
Outros, prescritos.

Depois, os amarelos.
Da cor do sol.
Em meia escala:

Quando senti vergonha
De pedir desculpa
A quem magoei.
Fora de casa.
Dentro de casa,
Os mais abundantes.

A seguir os vermelhos.
Davam prisão.
As minhas ausências,
Nas horas precisas.
Amigos da porta.
Ó que vergonha!...
A quem não atendi.
A seguir, a cor preta.
Para os que não cometi…

Berlim, 1 de Fevereiro de 2016
17h10m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes






dos meus leitores

Dos meus leitores

Para eles escrevo as minhas letras.
Preciso deles.
Lhes dão sentido.

Não sou chafariz.
De subir e cair.

Da minha alma flui
uma corrente sem fim.
Oxalá se espraie
e abrace.
E seja benvinda.
Minha força vital
Que vai e que vem.

Bar dos Motocas, arredores de Berlim, 1 de Fevereiro de 2016

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes