quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O livro de cada dia

O livro de cada dia
Se abre, no romper de cada dia, um livro.
Por escrever. 
Seu autor é cada um de nós.
Escrito à mão. Pelo punho que Deus nos deu.
Deixemo-la escrever conforme a alma dita.
Seja prece, seja lamento ou o bem dizer por mais um dia.
Cada dia é uma hora.
Seja bela a história. Mesmo que haja sombras nalgumas delas.
Raie o sol da felicidade em cada capítulo.
Se caldeiem em doses certas o sonho, a verdade e a fantasia.
Cadenciadas sejam nossas pégadas.
Luminoso o rasto no caminho que traçámos.
Fique mais rico o mundo com o final da nossa história e bendito o nosso nome.
Ouvindo Eduardo Grieg
Berlim, 1 de Fevereiro de 2018
8h5m
Jlmg
Foto de João Pereira.

Prefiro as pedras

Prefiro as pedras…
A humanidade desiludiu-me.
É feroz. Não olha a meios.
Se tornou monstruosa..
Devora vidas. Sonhos.
Ensombra o sol.
Matou a esperança.
Se atolou no charco.
Ergueu ídolos falsos.
O deus dinheiro.
Seu templo é o banco.
Sepultura imunda.
Prefiro as pedras que a chuva lava
e o sol enxuga.
Antes as feras. São como são.
Irracionais.
Sobrevivem na selva.
Ínfima parte.
Não querem mais…
Berlim, 31 de Janeiro de 2018
10h7m
Jlmg

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A toalha da mesa

A toalha da mesa…

Amo a toalha da mesa onde como em cada dia.
Seu gesto, pronto e total, de me ofertar o que me faz viver.
Sua cor, verde ou azul, me dispõe bem.
Será do sol que a corou?
Parece o mar quando azul.
Ou um prado verde onde viceja o pão.

Como ela ri quando lhe cai um trago tinto dum copo cheio.
- Este é para mim -parece dizer.
Se entretém brincando com as migalhas.
Adora as rolhas que as garrafas soltam.
Joga à macaca. Menina de escola.
Fica tão triste quando é dobrada e recolhe à gaveta até ao outro dia.
Sente-se presa e inútil.
Afinal, foi tão breve a liberdade…
Ouvindo Beethoven, 4 concerto para piano e orquestra
Berlim, 30 de Janeiro de 2018
18h14m
Jlmg

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Avião a remos

Avião a remos

Passou sobre mim um avião a remos.
Cada braçada dava uma légua.
Era sereno e silencioso.
Não deixava rasto.
Foi um fenómeno.

Ninguém sabe donde ele veio nem para onde vai.

Depois, li num almanaque:

Perdera o mar no Pólo Norte e levantou voo.
Procurava a paz para o Oriente.

Se calhar, não mais...

Berlim, 29 de Janeiro de 2018
20h3m
Jlmg


As minhas asas

Minhas asas

São aduncas minhas asas.
Têm quilha e têm leme.
Ora planam ora batem a fogo.
Sabem aproveitar melhor que eu
os ventos favoráveis.
Nunca arrostam de frente o vento.
Se enviezam autocomandadas.
Ganham balanço e se libertam vitoriosas das ciladas.

Não as escolhi. Me calharam na sorte do navegar.
Prefiro asas aos remos, coitados, tanto puxam  e pouco avançam.

Têm a forma de leque como de pavão.
São sóbrias. Se contentam com as cores que lhes tocaram.

Não gostam da quietude da borda da praia.

Preferem as vertentes alcantiladas sobre os abismos.
Contemplar do alto como se fossem núvens.
Aferem as distâncias com o rigor milimétrico dum mapa cor de rosa
para que nunca lhes falte a energia necessária.

Com elas eu vivo descansado. São garantia de minha liberdade.

Ouvindo Francis Goya

Berlim, 29 de Janeiro de 2018
19h29m
Jlmg

Com gravetos dos montes

Com gravetos dos montes...

Com gravetos dos montes se acendem fogueiras.
Aquecem os lares nos tempos gelados.
Se erguem as medas prevenindo o inverno.

Quem guardou aguenta os rigores e se mantém acordado.
Tantos apanhei nas tardes de sol,
mesmo descalço,
pelas matas vizinhas, sem pedir a ninguém.

Ó que fartura. Chegava para todos...

Bar dos motocas, 29 de Janeiro de 2018
10h33m
Jlmg


domingo, 28 de janeiro de 2018

Minha voz é pálida...



Minha voz é pálida…

A glória é tanta, minha voz é pálida para louvar a Deus, criador de tudo e de mim também.

Grande privilégio tivemos nós que fomos os escolhidos, só Ele sabe porquê.
Um dia nos dirá porque assim pensou.
Quando na sua glória Ele nos juntar…

Ouvindo Hauser  
Song from a secret garden

Berlin, 29 de Janeiro de 2018
8h32m
Jlmg

O desenho da boca

O desenho da boca
Que obra mais linda a forma dos lábios que orlam a boca.
As linhas se encontram de modo tão puro,
Exalam ternura, seduzem de amor.
Acompanham os olhos, de alegria sorrindo.
Entoam canções e adormecem bebés.
Fazem migalhas e lambem os dedos cheios de mel.
Assobiam ao vento nas horas mais tristes.
Segredam segredos aos lábios mais sós.
Protegem a boca das águas do mar.
Sorvem-lhe a brisa que baila à solta.
Calam gemidos que vêm de dentro.
Soluçam de cor as dores que esbordam.
Cortinam os dentes que mastigam o pão.
Escrevem teu nome com tinta de amor.
Berlim, 29 de Janeiro de 2018
7h28m
Jlmg

É brando e suave



É brando e suave…

Como é brando e suave aquele pedaço inerte que me abre a porta.
Tem a forma certa e a medida justa.

Foi feito assim.
Procura um dono
No futuro incerto.
Nem ela sabe onde irá entrar.

Tem um dom condão
Na mão do dono.

Só ele no seu jeito certo,
Agarra e puxa o que trava a porta
E lhe abre o mundo.

Por isso, ele a guarda com cuidado infindo.
Parece que o mundo acaba se ele lhe perde o rasto.
Se desfaz em rezas.
Até que o susto acabe e a festa venha…

Berlim, 28 de Janeiro de 2018
Jlmg

Sabor da melancolia



Sabor da melancolia

Quando as cores desmaiam porque o sol se despediu,
Um vaga de melancolia tolda as encostas e os vales.
Os rebanhos ficam parados e só pensam no seu curral.
Os pastores e seus cães fiéis os tangem serenamente.
Eles descem num bando unido,
Remoendo o que lhes tocou.

É a hora das trindades.
E das almas em peregrinação.
Pelos lares da aldeia, as panelas fervem,
Cheias de couves e batatas boas.

Sob as ramadas, se lavam as mãos nos lavatórios.
A água é limpa e fresca.
A toalha branca, corada ao sol, cobre a mesa longa, com as tigelas de barro.

O pai já foi à pipa buscar uma canada de tinto puro.
A pequena que só quer brincar faz ouvidos moucos à  mãe já farta de os chamar.
Só o berro do pai os faz pensar…

Berlim, 28 de Janeiro de 2018
19h6m
Jlmg