sábado, 13 de agosto de 2016

Crónica do meu diário

CRÓNICAS DO MEU DIÁRIO
30 de Junho de 2001- Sábado
Consegui bilhetes, para 2 concertos de piano, no Centro Cultural de Belém, oferecidos pelo “Despertar dos Músicos” da Antena 2, integrados no Festival – Sonho e Romantismo. É a sorte de ser ouvinte, quase assíduo, daquele bom programa diário do Vítor Nobre,desde há uns bons anos.
O 1º é às 11h da manhã. Não sei o que me espera, quando deixo minha mulher e o cocker, em casa, quebrando o hábito semanal, de ir à Costa.
De Algés, pela marginal, ao C C B, vai um salto de pardal.
Aqui está o colosso da cultura, cerrado de pedra, que foi tão controverso, à nascença. Pela forma, p’lo tamanho e localização. Frente aos Jerónimos…
Também censurei. Parece que está vingado. É de facto, um espaço onde acontece muita cultura.
Mais um pouco e fico a saber que o concerto é de uma pianista russa. Vai tocar Schumann e Franz Liszt.
O prospecto vendido na recepção custa, só, mil escudos…Como não paguei nada pelo bilhete, (seriam 5.800$00!…) não hesitei em adquiri-lo. Fiz bem. Fiquei a saber um pouco da pianista e o que ouvi, naquelas 2 horas. Tão breves, tamanha foi a magia que as encheu…e é uma recordação que fica comigo.
Sábado, de manhã. Fim de Junho. Dia de sol, A praia é capaz de levar este mundo de vencida. E levou mesmo. Está muito pouca gente. Umas escassas dezenas, deambulam pelo átrio enquanto chega a hora.
As portas abriram-se. Os rapazes, bem aprumados, que nos levam ao lugar são os mesmos, haja muita ou pouca gente e ali estão. Rasgam um pouco do bilhete que me restituem e levam-me vaté à fila H.
Mas podia sentar-me à vontade… uma plateia imensa de cadeiras, mais os camarotes encastelados, pelas paredes laterais, até bem lá acima, faz deste espaço um local excelente para as artes.
As luzes começam a escurecer e a sala está vazia. Uma sensação esquisita me invade. Meu pensamento traz-me aqueles cortejos loucos de carros cheios de bandeiras a esvoaçar pelas ruas e pela ponte 25 de Abril, nos dias de futebol, faça sol faça chuva. Vêm do fim do mundo e dizem que o s bilhetes são bem caros! Para mim, é um triste disparate. Mas tão boa gente, alinha por aquele gosto, que eu chego a duvidar de mim mesmo. Serei eu que sou limitado.
Vamos ver quem tem razão…dentro em breve.
O que se passou, de facto, a seguir, só a poesia o pode dizer:

CHUVA TROPICAL , NUM DESERTO,
DE VERGONHA E DE POBREZA …

Uma sala monumental.
Um estendal imenso
De mil cadeiras, fofas,
Expostas em ladeira
E uma colmeia
Cheia de camarotes,
Em castelo iluminado,
Casulos de aconchego,
Até ao tecto…
Lá bem no alto.
Um piano esbelto,
Preto e fulgurante
De cauda aberta ,
Real caixa de surpresas,
À espera e pronto
Sobre o palco.
Às três badaladas,
De magia,
Escureceu a sala
E uma jovem,
Morena,
De veste preta,
Avança para ele,
Em passadas repassadas
De garbo e fidalguia.
Com uma vénia hierática
De saudação à plateia,
Mergulhada em silêncio,
Despede-se
E avança, certa,
Mui segura
De espada em riste,
Pelos escaninhos, adentro,
Do piano,
À procura
Dos segredos, belos
E tesouros de
Roberto Schuman e Franz List.
Foram duas horas,
Tão breves, tão fugazes,
De viagem,
Em vertigem,
Sob as garras ágeis
Daquela musa,
Ao leme ardente do piano,
De cauda preta
E asa aberta,
Qual nave louca,
Desenfreada,
Pelas alturas do universo,
Em fantástica acobracia.
Cordilheiras, cataratas,
Ou grutas,
Colossais,
Da terra ou oceanos,
Vulcões em brasa,
Tempestades infernais
E orgias fartas de bonança,
Por florestas virgens
E pradarias,
As sereias e amantes,
Secretas,
Dos divinos…
Schuman e Franz List.
Teria sido de sonho…
A viagem ,
Se aquele paquete,
Gigantesco e deslumbrante…
Em vez das sete dezenas,
Parcas,
De felizardos, viageiros…
Estivesse tão cheio…
Como de amargura,
O rosto nobre e triste
Daquela artista…
E a vergonha nossa…
Pelo país!…
Algés, 30 de Junho de 2001
23h e 41m
Joaquim Luís Mendes Gomes
UM CONCERTO MAGISTRAL
DE PIANO
Ao 30 de Junho de 2001, Às onze horas,
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Elisso Wirssaladze,
Jovem pianista russa tocou
De Robert Schunmann:
Novelete Op 21,nº8
E fantasia Op 17 em Dó Maior
E
De Franz Liszt:
Sonata em Si Menor

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