terça-feira, 28 de junho de 2016

Em memória do camarada Mário Sasso

Poema
Em memória do Alferes Sasso,
meu camarada alferes, na guerra da Guiné
Estou a ver-te,
no regresso:
Alto, esguio,
óculos escuros.
Fato claro, de corte fino.
Tão vaidoso,
pelas tardinhas de Domingo,
calçada velha acima,
até ao quartel
da velha Évora.
De braço dado,
num corpo só,
com tua moça,
formosa companheira,
boa,
das noitadas do fado,
castiço,
de Lisboa...
de ambos vossa amante.
Que encanto!
Parecíeis mesmo
um casal americano,
tranquilo e tão ufano,
pelo meio do casario branco,
do coração alentejano!...
Que alegria!...
Que vontade de viver
de ti transparecia
pela semana inteira,
de olhos presos
à tua amada!...
Eras sempre o primeiro:
nas paradas,
secas, militares
e nos crosses atletas,
sem parar,
pelas estradas ermas,
e sem fim,
de sobreiros tristes,
através dos montes
do Alentejo...
Nos desafios permanentes,
pronto e voluntário,
prós exercícios
mais malucos....
Que pavor!...
da maluqueira militar.
Ora endiabrado trepador
daquele palanque,
alto e estreito,
de cimento...
ora dependurado,
na vertigem alucinante
da corda e da roldana...
Nas caminhadas nocturnas,
por aquele mundo,
de eremitério,
prás emboscadas perdidas,
nas veredas, ao luar,
prós golpes de mão,
temerosos, traiçoeiros,
mesmo a fingir,
tu levavas tão a sério...
Que exemplo vivo,
de vontade louca
de viver
o dia a dia,
tu me deste,
sem saberes!...
Quiseram as sortes
pra ti malvadas,
levar-nos a todos,
p'rá Guiné!...
Que romaria e arraial
havia sempre
à tua beira!...
Com a viola e o acordeão!
Tua voz rouca,
bem timbrada,
a retinir,
os fados todos
de Lisboa,
tão saudosa...
fazia dó!
Encantadora companheira
nas noitadas solitárias,
do Cachil e Catió...
Como lembro
tuas horas de desespero,
que vivias,
tão sincero,
em filosofia permanente,
à procura do sentido
da nossa dor,
e nossa vida, sobre a terra...
Que sentidos
desabafos me fizeste,
nas vésperas
da tua hora derradeira,
tão a sós,
em noitada de cavaqueira,
tão fraterna,
num duelo filosófico
e porfia verdadeira...
olhos presos,
bem abertos,
às belezas de paraíso,
das escravizadas terras africanas
e ao futuro da vida
que tanto amavas!...
Como suspiravas
encontrar
o caminho certo,
iluminado
do viver...
Eis que
no alvorecer duma aurora,
de suave e fresca neblina,
quando o sol
nascia em liberdade,
a oferecer mais um dia
ao mundo
e à desavinda humanidade,
depois duma noite,
sem sentido,
inteirinha
a caminhar,
por entre matas densas
das terras de Dar es Salam...
adormeceste,
para sempre,
como herói...
no regaço
dos teus irmãos,
ali ao pé!...
Nunca mais te esqueceremos!...
Ó eterno amigo,
Ó companheiro
Sempre nosso!...
Até à vista!
Querido Sasso!...

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